(Continuação da leitura do Livro "Boa Nova"
de Humberto de Campos
psicografada por Chico Xavier)
Em face dos novos
ensinamentos de Jesus, todos os fariseus do templo se tornavam de inexcedíveis
cuidados, pelo seu extremado apego aos textos antigos. O Mestre, porém, nunca
perdeu ensejo de esclarecer as situações reais difíceis com a luz da verdade
que a sua palavra divina trazia ao pensamento do mundo. Grande número de
doutores não conseguia ocultar o seu descontentamento, porque, não obstante
suas atividades derrotistas, continuavam as ações generosas de Jesus,
beneficiando os aflitos e os sofredores. Discutiam-se os novos princípios no
grande templo de Jerusalém, nas suas praças públicas e nas sinagogas. Os mais
humildes e pobres viam no Messias o emissário de Deus, cujas mãos repartiam em
abundancia os bens da paz e da consolação. As personalidades importantes
temiam-no.
É que o profeta não
se deixava seduzir pelas grandes promessas que lhe faziam com referência ao seu
futuro material. Jamais temperava a sua palavra de verdade com as conveniências
do comodismo da época. Apesar de magnânimo para com todas as faltas alheias,
combatia o mal com tão intenso ardor, que para logo se fazia objeto de
hostilidade para todas as intenções inconfessáveis. Mormente, em Jerusalém que,
com o seu cosmopolitismo, era um expressivo retrato do mundo, as idéias do
Senhor acendiam as mais apaixonadas discussões. Eram populares que se
entregavam à apologia franca da doutrina de Jesus, servos que o sentiam com
todo o calor do coração reconhecido, sacerdotes que o combatiam abertamente,
convencionalistas que não o toleravam, indivíduos abastados que se insurgiam
contra os seus ensinos.
Todavia, sem
embargo das dissensões naturais que precedem o estabelecimento definitivo das
idéias novas, alguns espíritos acompanhavam o Messias, tomados de vivo
interesse pelos seus elevados princípios. Entre estes, figurava Nicodemos,
fariseu notável pelo coração bem formado e pelos dotes da inteligência. Assim,
uma noite, ao cabo de grandes preocupações e longos raciocínios, procurou a
Jesus, em particular, seduzido pela magnanimidade de suas ações e pela grandeza
de sua doutrina salvadora. O Messias estava acompanhado apenas de dois dos seus
discípulos e recebeu a visita com a sua bondade costumeira.
Após a saudação
habitual e revelando as suas ânsias de conhecimento, depois de fundas
meditações, Nicodemos dirigiu-se respeitoso:
– Mestre, bem
sabemos que vindes de Deus, pois somente com a luz da assistência Divina
poderíeis realizar o que tendes efetuado, mostrando o sinal do céu em vossas
mãos. Tenho empregado minha existência em interpretar a lei, mas desejava
receber a vossa palavra sobre os recursos de que deverei lançar mão para
conhecer o Reino de Deus!
O Mestre sorriu
bondosamente e esclareceu:
– Primeiro que
tudo, Nicodemos, não basta que tenhas vivido a interpretar a lei. Antes de
raciocinar sobre as suas disposições, deverias ter-lhe sentido os textos. Mas,
em verdade devo dizer-te que ninguém conhecerá o reino do céu, sem nascer de
novo.
– Como pode um
homem nascer de novo, sendo velho? – interrogou o fariseu altamente
surpreendido – Poderá, porventura, regressar ao ventre de sua mãe?
O Messias fixou
nele os olhos calmos, consciente da gravidade do assunto em foco e acrescentou:
– Em verdade,
reafirma-te ser indispensável que o homem nasça e renasça, para conhecer
plenamente a luz do reino!...
– Entretanto, como
pode isso ser? – Perguntou Nicodemos, perturbado.
– És mestre em
Israel e ignoras estas coisas?
– inquiriu Jesus,
como surpreendido – É natural que cada um cimente testifique daquilo que saiba;
porém precisamos considerar que tu ensinas. Apesar disso, não aceitas os nossos
testemunhos. Se falando eu de coisas terrenas sentes dificuldade em
compreendê-las com os teus raciocínios sobre a lei, como poderás aceitar as
minhas afirmativas quando eu disser das coisas celestiais? Seria loucura
destinar os alimentos apropriados a um velho para o organismo frágil de uma
criança.
Extremamente
confundido, retirou-se o fariseu, ficando André e Tiago empenhados em obter do
Messias o necessário esclarecimento, acerca daquela lição nova.
***
Jerusalém quase
dormia sob o véu espesso da noite alta. Silêncio profundo se fizera sobre a
paisagem. Jesus, no entanto, e aqueles dois discípulos continuavam presos à
conversação particular que haviam entabulado. Os dois desejavam ardentemente
penetrar o sentido oculto das palavras do Mestre. Como seria possível aquele
renascimento?
Não obstante os
seus conhecimentos, também partilhavam da perplexidade que levara Nicodemos a
se retirar fundamente surpreendido.
– Por
que tamanha admiração, em face destas verdades? – perguntou-lhe Jesus,
bondosamente – As árvores não renascem depois de podadas? Com respeito aos
homens, o processo é diferente, mas o espírito de renovação é sempre o mesmo. O
corpo é uma veste. O homem é seu dono. Toda roupagem material acaba rota,
porém, o homem, que é filho de Deus, encontra sempre em seu amor os elementos
necessários à mudança do vestuário. A morte do corpo é essa mudança
indispensável, porque a alma caminhará sempre, através de outras experiências,
até que consiga a imprescindível provisão de luz para a estrada definitiva no
reino de Deus, com toda a perfeição conquistada, ao longo dos rudes caminhos.
André sentiu que
uma nova compreensão lhe felicitava o espírito simples e perguntou:
– Mestre, já que o
corpo é como a roupa material das almas, por que não somos todos iguais no
mundo? Vejo belos jovens, junto de
aleijados e paralíticos...
– Acaso não tenho
ensinado – disse Jesus – que tem de chorar todo aquele que se transforma em
instrumento de escândalo? Cada alma conduz consigo mesma o inferno ou o céu que
edificou no âmago da consciência. Seria justo conceder-se uma segunda veste
mais perfeita e mais bela ao espírito rebelde que estragou a primeira? Que
diríamos da sabedoria de Nosso Pai, se facultasse as possibilidades mais
preciosas aos que às utilizaram na véspera para o roubo, o assassínio, a
destruição? Os que abusaram da túnica da riqueza vestirão depois as dos fâmulos
e escravos mais humildes, como as mãos que feriram podem vir a ser cortadas.
– Senhor,
compreendo agora o mecanismo do resgate. Murmurou Tiago, externando a alegria
do seu entendimento. – Mas, observo que, desse modo, o mundo precisará sempre
do clima do escândalo e do sofrimento, desde que o devedor, para saldar seu
débito, não poderá fazê-lo sem que outro lhe tome o lugar com a mesma dívida.
O Mestre apreendeu
a amplitude da objeção e esclareceu os discípulos, perguntando:
– Dentro da lei de
Moisés, como se verifica o processo da redenção?
Tiago meditou um
instante e respondeu:
– Também na lei
está escrito que o homem pagará “olho por olho, dente por dente”.
– Também tu, Tiago,
estás procedendo como Nicodemos. Replicou Jesus com generoso sorriso.
– Como todos os
homens, aliás, tens raciocinado, mas não tens sentido. Ainda não ponderaste,
talvez, que o primeiro mandamento da lei é uma determinação de amor. Acima do
“não adulterarás”, do “não cobiçarás”, está o “amar a Deus sobre todas as
coisas, de todo coração e de todo entendimento”.Como poderá alguém amar ao Pai,
aborrecendo-lhe a obra? Contudo, não estranho a exiguidade de visão espiritual
com que examinaste o texto dos profetas. Todas as criaturas hão feito o mesmo. Investigando
as revelações do céu com o egoísmo que lhes é próprio, organizaram a justiça
como o edifício mais alto do idealismo humano. E, entretanto, coloco o amor
acima da justiça do mundo e tenho ensinado que só ele cobre a multidão dos
pecados. Se nos prendemos à lei de Talião, somos obrigados a reconhecer que
onde existe um assassino haverá, mais tarde, um homem, que necessita ser
assassinado; com a lei do amor, porém, compreendemos que o verdugo e a vítima
são dois irmãos, filhos de um mesmo Pai. Basta que ambos sigam isso para que a
fraternidade divina afaste os fantasmas do escândalo e do sofrimento.
***
Ante as elucidações
do Mestre, os dois discípulos estavam maravilhados. Aquela lição profunda
esclarecia-os para sempre.
Tiago, então,
aproximou-se e sugeriu a Jesus que proclamasse aquelas verdades novas na
pregação do dia seguinte. O Mestre dirigiu-lhe um olhar de admiração e
interrogou:
– Será que não
compreendeste? Pois, se um doutor da lei saiu daqui sem que eu lhe pudesse
explicar toda a verdade, como queres que proceda de modo contrário, para com a
compreensão simplista do espírito popular? Alguém constrói uma casa iniciando
pelo teto o trabalho? Além disso, mandarei mais tarde o Consolador, a fim de
esclarecer e dilatar os meus ensinos.
Eminentemente impressionados, André e Tiago calaram as
derradeiras interrogações. Aquela palestra particular, entre o Senhor e os
discípulos, permaneceria guardada na sombra leve da noite em Jerusalém; mas a
lição a Nicodemos estava dada. A lei da reencarnação estava proclamada para sempre,
no Evangelho do Reino
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