sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

29 - OS QUINHENTOS DA GALILEIA

Continuação da leitura do Livro "Boa Nova" de Humberto de Campos
 psicografada por Chico Xavier
 


Depois do Calvário, verificadas as primeiras manifestações de Jesus no cenáculo singelo de Jerusalém, apossara-se de todos os amigos sinceros do Messias uma saudade imensa de sua palavra e de seu convívio. A maioria deles se apegava aos discípulos, como querendo reter as últimas expressões de sua mensagem carinhosa e imortal.
O ambiente era um repositório vasto de adoráveis recordações. Os que eram agraciados com as visões do Mestre se sentiam transbordantes das mais puras alegrias. Os companheiros inseparáveis e íntimos se entretinham em longos comentários sobre as suas reminiscências inapagáveis.
Foi quando Simão Pedro e alguns outros salientaram a necessidade do regresso a Cafarnaum, para os labores indispensáveis da vida.
E, breves dias, as velhas redes mergulhavam de novo no Tiberíades, por entre as cantigas rústicas dos pescadores.
Cada onda mais larga e cada detalhe do serviço sugeriam recordações sempre vivas no tempo. As refeições ao ar livre lembravam o contentamento de Jesus ao partir o pão; o trabalho, quando mais intenso, como que avivava a sua e recomendação de bom ânimo; a noite silenciosa reclamava a sua bênção amiga.
Embebidos na poesia da Natureza, os apóstolos organizavam os mais elevados projetos, com relação ao futuro do Evangelho. A residência modesta de Cefas, obedecendo às tradições dos primitivos ensinamentos, continuava a ser o parlamento amistoso, onde cada um expunha os seus princípios e as suas confidências mais recônditas. Mas ao pé do monte o Cristo se fizera ouvir algumas vezes, exaltando as belezas do Reino de Deus e da sua justiça, reunia-se invariavelmente todos os antigos seguidores mais fiéis, que se haviam habituado ao doce alimento de sua palavra inesquecível. Os discípulos não eram estranhos a essas rememorações carinhosas e, ao cair da tarde acompanhavam a pequena corrente popular pela via das recordações afetuosas.
Falava-se vagamente de que o Mestre voltaria ao monte para despedir-se. Alguns dos apóstolos aludiam às visões em que o Senhor prometia fazer de novo ouvida a sua palavra num dos lugares prediletos das suas pregações de outros tempos.
Numa tarde de azul profundo, a reduzida comunidade de amigos do Messias, ao lado da pequena multidão, reuniu-se em preces, no sítio solitário. João havia comentado as promessas do Evangelho, enquanto na encosta se amontoava a assembleia dos fiéis seguidores do Mestre.
Viam-se, ali, algumas centenas de rostos embevecidos e ansiosos. Eram romanos de mistura com judeus desconhecidos, mulheres humildes conduzindo os filhos pobres e descalços, velhos respeitáveis, cujos cabelos alvejavam de neve dos repetidos invernos da vida.
***
Nesse dia, como que antiga atmosfera se fazia sentir mais fortemente. Por instinto, todos tinham a impressão de que o Mestre voltaria a ensinar as bem-aventuranças celestiais. Os ventos recendiam suave perfume, trazendo as harmonias do lago próximo. Do céu muito azul, como em festa para receber a claridade das primeiras estrelas, parecia descer uma tranquilidade imensa que envolvia todas as coisas. Foi nesse instante, de indizível grandiosidade, que a figura do Cristo assomou no cume iluminado pelos derradeiros raios de Sol.
Era Ele.
Seu sorriso desabrochava tão meigo como ao tempo glorioso de suas primeiras pregações, mas de todo o seu vulto se irradiava luz tão intensa que os mais fortes dobravam os joelhos. Alguns soluçavam de júbilo, presas das emoções mais belas de sua vida. As mãos do Mestre tomaram a atitude de que abençoava, enquanto um divino silêncio parecia penetrar a alma das coisas. A palavra articulada não tomou parte naquele banquete de luz imaterial; todos, porém, lhe perceberam a amorosa despedida e, no mais intimo da alma, lhe ouviram a exortação magnânima e profunda:
- "Amados - a cada um se afigurou escutar na câmara secreta do coração -, eis que retorno a vida em meu Pai para regressar à luz do meu Reino!... Enviei meus discípulos como ovelhas ao meio de lobos e vos recomendo que lhes sigais os passos no escabroso caminho. Depois deles, é a vós que confio a tarefa sublime da redenção pelas verdades do Evangelho. Eles serão os semeadores, vós sereis o fermento divino. Instituo-vos os primeiros trabalhadores, os herdeiros iniciais dos bens divinos. Para entrardes na posse do tesouro celestial, muita vez experimentareis o martírio da cruz e o fel da ingratidão... Em conflito permanente com o mundo, estareis na Terra, fora de suas leis implacáveis e egoístas, até que as bases do meu Reino de concórdia e justiça se estabeleçam no espírito das criaturas. Negai-vos a vós mesmos, como neguei a minha própria vontade na execução dos desígnios de Deus, e tomai a vossa cruz para seguir-me.
"Séculos de luta vos esperam na estrada universal. É preciso imunizar o coração contra todos os enganos da vida transitória, para a soberana grandeza da vida imortal. Vossas sendas estão repletas de fantasmas de aniquilamento e de visões de morte. O mundo inteiro se levantará contra vós, em obediência espontânea às forças tenebrosas do mal, que ainda lhe dominam as fronteiras. Sereis escarnecidos e aparentemente desamparados; a dor vos assolará as esperanças mais caras; andareis esquecidos na Terra, em supremo abandono do coração. Não participareis do venenoso banquete das posses materiais, sofrerei a perseguição e o terror tereis o coração coberto de cicatrizes e de ultraje. A chaga é o vosso sinal, a coroa de espinhos, vosso percurso ditoso da redenção. Vossa voz será a do deserto, provocando, muitas vezes, o escárnio e a negação da parte dos que dominam na carne perecível.
"Mas no desenrolar das batalhas incruentas do coração, quando todos os horizontes estiverem abafados pelas sombras da crueldade, dar-vos-ei da minha paz, que representa a água viva. Na existência ou na morte do corpo, estareis unidos ao meu Reino. O mundo vos cobrirá de golpes terríveis e destruidores, mas, de cada uma das vossas feridas, retirarei o trigo luminoso para os celeiros infinitos da graça, destinados ao sustento das mais ínfimas criaturas!... Até que o Reino se estabeleça na Terra, não conhecereis o amor no mundo; eu, no entanto, encherei a vossa solidão com minha assistência incessante. Gozarei em vós, como gozareis em mim, o júbilo celeste da execução fiel dos desígnios de Deus. Quando tombardes, sob as arremetidas dos homens ainda pobres e infelizes, eu vos levantarei no silêncio do caminho, com as minhas mãos dedicadas ao vosso bem. Sereis a união onde houver separatividade, sacrifício onde existir o falso gozo, claridade onde campearem as trevas, porto amigo, edificado na rocha da fé viva, onde pairarem as sombras da desorientação. Sereis meu refúgio nas igrejas mais estranhas da Terra, minha esperança entre as loucuras humanas, minha verdade onde se perturbar a ciência incompleta do mundo!...
"Amados, eis que também vos envio como ovelhas aos caminhos obscuros e ásperos. Entretanto, nada temais! Sede fiéis ao meu coração, como vos sou fiel, e o bom ânimo representará a vossa estrela! Ide ao mundo, onde teremos de vencer o mal! Aperfeiçoemos a nossa escola milenária, para que aí seja interpretada e posta em prática a Lei de Amor do Nosso Pai, em obediência feliz à sua vontade augusta!"
Sagrada emoção senhoreara-se das almas em êxtase de ventura. Foi então que observaram o Mestre, rodeado de luz, como a elevar-se ao céu, em demanda de sua gloriosa esfera do infinito.
***
Os primeiros astros da noite brilhavam no alto, como flores radiosas do Paraíso. No monte Galileu, cinco centenas de corações palpitavam, arrebatados por intraduzível júbilo. Velhos trêmulos e encarquilhados desceram a encosta, unidos uns aos outros, como solidários, para sempre, no mesmo trabalho de grandeza imperecível. Anciãs de passo vacilante, coroadas pela neve das experiências da vida, abraçavam-se às filhas e netas, jovens e ditosas, tomadas de indefinível embriaguez d'alma. Romanos e judeus, ricos e pobres confraternizavam, felizes, adivinhando a necessidade de cooperação na tarefa santa. Os antigos discípulos, cercando a figura de Simão Pedro, choravam de contentamento e esperança.
Naquela noite de imperecível recordação, foi confiado aos quinhentos da Galileia o serviço glorioso da evangelização das coletividades terrestres, sob a inspiração de Jesus - Cristo. Mal sabiam eles, na sua mísera condição humana, que a palavra do Mestre alcançaria os séculos do porvir. E foi assim que, representando o fermento renovador do mundo, eles reencarnaram em todos os tempos, nos mais diversos climas religiosos e políticos do planeta, ensinando a verdade e abrindo novos caminhos de luz, através dos bastidores eternos do Tempo.
Foram eles os primeiros a transmitir a sagrada vibração de coragem e confiança aos que tombaram nos campos do martírio, semeando a fé no coração pervertido das criaturas. Nos circos da vaidade humana, nas fogueiras e nos suplícios, ensinaram a lição de Jesus, com resignado heroísmo. Nas artes e nas ciências, plantaram concepções novas de desprendimento do mundo e de belezas do céu e, no seio das mais variadas religiões da Terra, continuam revelando o desejo do Cristo, que é de união e de amor, de fraternidade e concórdia.
Na qualidade de discípulos sinceros e bem-amados, desceram aos abismos mais tenebrosos, redimindo o mal com os seus sacrifícios purificadores, convertendo, com as luzes do Evangelho, à corrente da redenção, os espíritos mais empedernidos. Abandonados e desprotegidos na Terra, eles passam, edificando no silêncio as magnificências Reino de Deus, nos países dos corações e, multiplicando as notas de seu cântico de glória por entre os que se constituem instrumentos sinceros do bem com Jesus Cristo, formam a caravana sublime que nunca se dissolverá.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

EVOCAÇÃO DO NATAL

Antologia Mediúnica de Natal
Pelo Espírito Emmanuel
Psicografia de Francisco Cândido


"O maior de todos os conquistadores, na face da Terra, conhecia, de antemão, as dificuldades do campo em que lhe cabia operar.
Estava certo de que entre as criaturas humanas não encontraria lugar para nascer, à vista do egoísmo que lhes trancava os corações; no entanto, buscou-as, espontâneo, asilando-se no casebre dos animais.
Sabia que os doutores da Lei ouvi-lo-íam indiferentes, com respeito aos ensinamentos da vida eterna de que se fazia portador; contudo, entregou-lhes, confiante, a Divina Palavra.
Não desconhecia que contava simplesmente com homens frágeis e iletrados para a divulgação dos princípios redentores que lhe vibravam na plataforma sublime, e abraçou-os, tais quais eram.
Reconhecia que as tribunas da glória cultural de seu tempo se lhe mantinham cerradas, mas transmitiu as boas novas do Reino da Luz à multidão dos necessitados, inscrevendo-as na alma do povo.
Não ignorava que o mal lhe agrediria as mãos generosas pelo bem que espalhava; entretanto, não deixou de suportar a ingratidão e a crueldade, com brandura e entendimento.
Permanecia convicto de que as noções de verdade e amor que veiculava levantariam contra ele as matilhas de perseguição e do ódio; todavia, não desertou do apostolado, aceitando, sem queixa, o suplício da cruz com que lhe sufocavam a voz.
É por isso que o Natal não é apenas a promessa da fraternidade e da paz que se renova alegremente, entre os homens, mas, acima de tudo, é a reiterada mensagem do Cristo que nos induz a servir sempre, compreendendo que o mundo pode mostrar deficiências e imperfeições, trevas e chagas, mas que é nosso dever amá-lo e ajudá-lo mesmo assim."



Comentário do poster:

Quando procurava uma mensagem para postar no dia 24, relacionei tantas, pois cada uma delas nos dá um ensinamento de amor, paz e fraternidade. Mas como tinha que selecionar uma e então escolhi esta de Emmanuel,  que nos orienta a não só buscar esses sentimentos mas também a trabalhar na Seara do Bem, amando sempre. 
Porém, gostaria de deixar para finalizar essa minha postagem um trecho de outra mensagem tão esclarecedora e comovente como esta. Ela foi extraída do livro "Primícias do Reino" de Amélia Rodrigues, psicografada por Divaldo Pereira Franco, capitulo Posfácio.
"A mais comovente história que já se escreveu.
O maior amor que o mundo conheceu.
O exemplo mais fecundo que jamais existiu.
A vida de Jesus é o permanente apelo à mansidão, à dignidade ao amor, à verdade.
Amá-lO é começar a vivê-lo.
Conhecê-lO é plasmá-lO na mente e no coração.
A vida que comporta a história da nossa vida – eis a Vida de Jesus!
A perene alegria, a boa mensagem de júbilo – eis o Evangelho!"


"Feliz Natal a todos"

sábado, 22 de dezembro de 2012

O Natal do Apóstolo


Livro Antologia Mediúnica do Natal
Pelo espírito Irmão X
Psicografia de Francisco Cândido Xavier



Quando Simão Pedro foi arrancado aos grilhões do cárcere para o derradeiro sacrifício, sentia o coração varado de angústia, conquanto mostrasse o passo firme. O velho apóstolo, que transpusera os oitenta de idade, levantava a cabeça branca, destacando-se na turba à maneira de um pai atormentado por filhos inconscientes.
Irmãos do Evangelho ladeavam-no, tristes, escondendo o próprio desespero, diante da serenidade com que ele, encanecido em duras experiências, se acomodava ao martírio.
Mulheres e crianças emaranhavam-se, cortejo adentro, para beijar-lhe as mãos.
Transeuntes, ainda mesmo adversos ao Cristianismo nascente, fitavam-no, respeitosos, quais se vissem um soberano humilhado e pobremente vestido, a caminho de inesperado triunfo... E até soldados da escolta, recordando vários companheiros que Simão transfigurara, ao curar-lhe os parentes enfermos, abeiravam-se dele com veneração e carinho...
Apenas um dos pretorianos, Sertório Aniceto, destacado elemento na expedição, não poupava o sarcasmo.
Desejando quebrar a atmosfera de reverência e de êxtase que se fazia, desdobrava impropérios: - Para diante, velho impudente! Judeu Sujo! Lixo humano, que envergonharia os postes da arena!...
E mais à frente:
- Não abuse da crendice do povo! Ladrão imundo, chegou seu fim!...
Pedro, entretanto, contemplava o céu escaldante da tarde e orava em silêncio... Sentia-se, agora, fatigado e incapaz! Compreendia que a Boa Nova exigia servidores robustos e rogava ao Cristo enviasse obreiros novos e valorosos para a vinha do mundo... Mas não era só isso... No imo do coração, ardia-lhe a saudade do Mestre e ansiava retomar-lhe a companhia para sempre...
Escalando a colina, via não longe o Campo de Marte, assinalado pelo monumento de Augusto, as cintilações do Tibre espreguiçando ao sol, o casario imenso, as termas e os jardins; no entanto, regressava pela imaginação à Galiléia distante, buscando Jesus em pensamento...
Revia o lago de Genesaré, em seus dias mais belos, e as multidões simples e generosas com que o Senhor repartia o pão e a verdade, o consolo e a esperança...
Por estranhos mecanismos da memória, respirava, de novo, o perfume das rosas de Betsaida, das romãzeiras de Dalmanuta, das quintas frutescentes de Magdala e dos pequenos vinhedos de Cafarnaum...
Apesar do calor reinante, rememorava a pesca e supunha-se envolvido pelo sopro da brisa, quando a barca sobrestava as ondas calmas.
Reconstituía, enlevadas, as pregações do Divino Amigo e parecia-lhe jornadear de retorno à família das crianças e dos enfermos, das mães sofredoras e dos velhinhos que ele próprio lhe entregara ao coração...
Atingido o local do suplício, confiou-se automaticamente aos soldados que o desnudaram, e, como se estivesse hipnotizado pela ideia do reencontro, sofregamente aguardado quase nada percebeu dos martelos, rudemente manobrados, que lhe apresavam pés e mãos ao lenho que se lhe erguera de improviso...
Em derredor, escutava os protestos velados das centenas de espectadores da lamentável exibição, de mistura com as preces dos companheiros agoniados...
Detido, porém, na ânsia de repouso, Pedro não via que o tempo se escoava, sem que lhe desfechassem qualquer golpe...
Aqui e além, grupos em orações e lágrimas salientavam-se de mãos postas; contudo, a morte tardava... Aniceto, entretanto, não o perdia de vista, e, reparando que o crepúsculo baixava, atirou-lhe pontiagudo calhau à cabeça e gritou:
- Morre, bruxo!
O apóstolo observou que o sangue esguichava, mas, sem qualquer reação, rendeu-se o invencível torpor, qual se fosse repentinamente anestesiado por brando sono.
Semelhante impressão, contudo, perdurou por momentos. O ancião, após desalgemar-se do corpo, identificou-se espiritualmente, livre e eufórico, ao pé dos próprios despojos, e, alheio à algazarra em torno, contemplou o firmamento, onde os astros se inflamavam, como se dedos invisíveis acendessem lumes deslumbrantes para uma festa no céu...
Espantado, observou que um homem descia do alto, como que materializado pela fulguração das estrelas, e, decorridos alguns instantes de assombro, viu Jesus a dois passos, a endereçar-lhe o inolvidável sorriso. - Mestre! – clamou, inclinando-se para beijar o chão que ele pisava.
O Messias redivivo tomou-o nos braços e partiu, conchegando-o ao coração, qual se transportasse frágil criança.
Por várias semanas restaurou-se Pedro na estância de luz que o Cristo lhe reservara Junto dele, visitou paragens de inexprimível beleza, recolheu lições preciosas, presenciou espetáculos soberbos de grandeza cósmica e abraçou afeições inesquecíveis...
Quando mais integrado se reconhecia no Plano Superior, eis que o Celeste Companheiro lhe anuncia nova separação.. Que o discípulo descansasse quanto quisesse, elevando-se às excelsas regiões... Ele, porém, devia ausentar-se...
- Senhor, aonde vais? – indagou o apóstolo, penosamente surpreendido. E Jesus, indicando-lhe escuro recanto da vastidão, em que se adivinhava a residência planetária dos homens, informou, sereno:
- Pedro, enquanto houver um gemido na Terra, não me será lícito repousar...
- Então, Senhor, eu também irei contigo...
E, como outrora, demandaram, juntos, os quadros de ação, em que se lhes evidenciasse o amor sublime...
Atraídos por centenas de vozes, atravessaram Roma, parando, por fim, em espaçoso cemitério da Via Ápia, mergulhado na sombra noturna...
A multidão cantava, glorificando o Senhor...
Não obstante o Natal estivesse na lembrança de poucos, rememorava-se, ali, diante da imensidão constelada, a melodia dos mensageiros angélicos.
Simão, fremindo de emotividade, começou a chorar de alegria. Anelava ser bom, aspirava a ser irmão da Humanidade, queria auxiliar a construção do Reino de Deus e homenagear a manjedoura de Belém, ofertando algo de si mesmo, em louvor do Evangelho...
Nesse ínterim, aproximou-se Jesus e Disse-lhe ao ouvido:
- Pedro, alguém te chama...
O apóstolo voltou-se e, admirado, enxergou na pequena comunidade um homem triste, carregando nos braços um pequenino agonizante... Era Aniceto, a rogar-lhe, mentalmente, se lhe compadecesse do filhinho que a febre devorava. Qual se lhe registrasse a presença, expunha-lhe os remorsos que amargava e pedia-lhe perdão...
O antigo pescador não hesitou. Depois de oscular-lhe a fronte suarenta, afagou a criança atribulada, impondo-lhe as mãos, e, ali mesmo, magneticamente tocado por forças renovadoras e intangíveis, o menino despertou, lúcido e refeito, enlaçando-se ao pai, à feição da ave assustada quase torna à segurança do ninho.
Aniceto, no íntimo, compreendeu o socorro e a bênção que recebia e, renovado, começou a cantar em lágrimas de júbilo: “Glória a Deus nas alturas, paz na Terra e boa vontade para com os homens!...”.
Para o rude legionário de César começava nova vida e para Simão Pedro o serviço continuou...

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Natal de Amor

Imagem:www.searadomestre.com.br

Pelo Espírito Joanna de Ângelis.
Psicografia de Divaldo P. Franco, 


Jesus transcende tudo quanto a Humanidade jamais conheceu e estudou.
Personalidade singular, tem sido objeto de aprofundadas pesquisas através dos tempos, permanecendo, no entanto, muito ignorado.
Amado por uns e detestado por outros, conseguiu cindir o pensamento histórico,  estabelecendo parâmetros de felicidade dantes jamais sonhada, que passaram a constituir metas desafiadoras para centenas de milhões de vidas.
Podendo ter disputado honrarias e destaques na comunidade do Seu tempo, elegeu uma gruta obscura para iluminá-Ia com o Seu berço de palha e uma cruz hedionda para despedir-se do convívio com as criaturas em Sua breve existência, na qual alterou totalmente as paisagens culturais do planeta.
Vivendo pobremente, em uma cidade sem qualquer significado social ou econômico, demonstrou que a inteligência e a sabedoria promanam do Espírito e não dos fatores hereditários, ambientais, educacionais, que podem contribuir para o seu desdobramento, nunca porém, para a sua gênese.
Movimentando-se entre multidões sequiosas de orientação, numa época de inconcebíveis preconceitos de todo gênero, elegeu sempre os indivíduos mais detestados, combatidos, perseguidos, excluídos, sem que abandonasse aqueles que se encontravam em patamares mais elevados na ribalta dos valores terrestres.
Portador de incomum conhecimento da vida e das necessidades humanas, falava pouco, de forma que todos lhe apreendessem os ensinamentos e os incorporassem ao cotidiano, sem preocupar-se com os formalismos existentes.
Utilizando-se de linguagem simples e de formosas imagens que eram parte do dia-a-dia de todas as criaturas, compôs incomparáveis sinfonias ricas de esperanças e de bênçãos que prosseguem embalando o pensamento após quase dois mil anos desde quando foram apresentadas.
Nunca se permitiu uma conduta verbal e outra comportamental diferenciadas. Todos os Seus ditos encontram-se confirmados pelos Seus feitos.
Compartilhando da companhia dos párias, não se fez miserável; atendendo aos revoltados, nunca se permitiu rebelião; participando das dores gerais, manteve-se em saudável bem-estar que a todos contagiava.
Jovial e alegre, cantava os Seus hinos à vida e a Deus, sem nunca extravasar em gritaria, descompasso moral ou vulgaridade de conduta.
Amando, sem cessar, preservou o respeito por todos os seres vivos, especialmente dignificando a mulher, que sempre foi exprobrada, incompreendida, explorada, perseguida, humilhada...
Ergueu os combalidos, sem maldizer aqueles que os abandonavam.
Socorreu os infelizes, jamais condenando os responsáveis pelas misérias sociais e econômicas do Seu tempo.
... E mesmo quando abandonado, escarnecido, julgado e condenado sem culpa, manteve a dignidade incomparável que Lhe assinalava a existência, não repartindo com ninguém Suas dores e o holocausto a que se submeteu.
*
Jesus é mais do que um símbolo para a Humanidade de todos os tempos.
Mudaram as paisagens sociais e culturais no transcurso dos séculos, enquanto os indivíduos da atualidade continuam mais ou menos semelhantes àqueles do Seu tempo.
A dor prossegue jugulando ao seu eito as vidas que estorcegam em sua crueza; o orgulho enceguece vidas; o egoísmo predomina nos relacionamentos e interesses sociais; a violência dilacera as esperanças; o crime campeia à solta, e o ser humano parece descoroçoado, sem rumo.
Doutrinas salvacionistas surgem e desaparecem, propostas revolucionárias são apresentadas cada dia e sucumbem sob os camartelos dos desequilíbrios, filosofias multiplicam-se e generaliza-se a loucura dizimando as vidas que Ihes tombam nas armadilhas soezes...
Jesus, no entanto, permanece o mesmo, aguardando aqueles que O queiram seguir.
Uns adulteraram-Lhe as palavras, outros tentam atualizá-lO, mesclando Sua austeridade com a insensatez que vige em toda parte, procurando assim confundir a Sua alegria com a alucinação dos sentidos exaltados pelo sexo em desalinho, e, não obstante, nada macula Suas lições, nem diminui de intensidade a Sua proposta libertadora.
Educador por excelência, despertava o interesse dos Seus ouvintes, mantendo diálogos repassados de incomum habilidade psicológica, de forma a penetrar no âmago dos problemas existenciais, sem permitir-se reproche ou desdém.
Psicoterapeuta excepcional, identificava os conflitos sem que se fizesse necessária a verbalização por parte do enfermo, auxiliando-o a dignificar-se e liberar-se da injunção perturbadora em clima de verdadeira fraternidade.
Os poucos anos do Seu ministério, todavia, assinalaram a História com luzes que jamais se apagarão e continuarão apontando rumos para o futuro.
*
Por tudo isso, o Natal de Jesus é sempre renovador convite a uma releitura da Sua mensagem, a novas reflexões em torno das Suas palavras de luz, à revivescência dos Seus projetos de amor para com a Humanidade.
A alegria que deve dominar aqueles que O amam, evocando o Seu berço, ao invés de ser estrídula e agitada, há de espraiar-se como contribuição para diminuir as aflições e modificar as estruturas carcomidas da sociedade atual, trabalhando-as de forma a propiciar felicidade, oportunidade de trabalho, de dignificação, de saúde e de educação para todas as pessoas.
Distende, portanto, em homenagem ao Seu nascimento, a tua quota de amor a todos quantos te busquem, de forma que eles compreendam a qualidade e o elevado padrão do teu relacionamento espiritual com Ele, interessando-se também por vincular-se a esse Amigo de todas as horas.
Não desperdices a oportunidade de demonstrar que o Natal de Jesus é permanente compromisso de amor entre os Céus e a Terra através d’Ele, que se fez a ponte entre os homens e Deus, e que continua, vigilante e amigo, pronto para ajudar e conduzir todos aqueles que desejem a plenitude.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Anticonceptivos e Planejamento Familiar

Joanna de Ângelis
Capítulo "Após a tempestade" 
Do livro SOS Família
Psicografia Divaldo P. Franco

Alegações ponderosas que merecem consideração vêm sendo arroladas para justificar-se a planificação familiar através do uso dos anticonceptivos de variados tipos. São argumentos de caráter sociológico, ecológico, econômico, demográfico, considerando-se com maior vigor os fatores decorrentes das Possibilidades de alimentação numa Terra tida como semi-exaurida de recursos para nutrir aqueles que se multiplicam geometricamente com espantosa celeridade...
Entusiastas sugerem processos definitivos de impedimento procriativo pela esterilização dos casais com dois filhos, sem maior exame da questão, no futuro, transformando o indivíduo e a sua função genética em simples máquina que somente deve ser acionada para o prazer, nem sempre capaz de propiciar bem-estar e harmonia.
Sem dúvida, estamos diante de um problema de alta magnitude, que deve ser, todavia, estudado à luz do Evangelho e não por meios dos complexos cálculos frios da precipitação materialista.
 O homem pode e deve programar a família que deseja e lhe convém ter: número de filhos, período propício para a maternidade, nunca, porém, se eximirá aos imperiosos resgates a que faz juz, tendo em vista o seu próprio passado.
Melhor usar o anticonceptivo do que abortar...
Os filhos, porém, não são realizações fortuitas, decorrentes de circunstâncias secundárias, na vida. Procedem de compromissos aceitos antes da reencarnação pelos futuros progenitores, de modo a edificarem a família de que necessitam para a própria evolução. É-lhes lícito adiar a recepção de Espíritos que lhes são vinculados, impossibilitando mesmo que se reencarnem por seu intermédio.
Irrisão, porém, porquanto as Soberanas Leis da Vida dispõem de meios para fazer que aqueles rejeitados venham por outros processos à porta dos seus devedores ou credores, em circunstâncias quiçá mui dolorosas, complicadas pela irresponsabilidade desses cônjuges que ajam com leviandade, em flagrante desconsideração aos códigos divinos.
Assevera-se que procriar sem poder educar, ter filhos sem recursos para cuidá-los, aumentando, incessantemente, a população da Terra, representa condená-los à miséria e a sociedade do futuro a destino inditoso...
Ainda aí o argumento se reveste do sofisma materialista, que um dia inspirou Malthus na sua conceituação lamentável e no não menos infeliz néomalthusianismo que adveio posteriormente...
Ninguém pode formular uma perfeita visão do porvir para a Humanidade, e os futurólogos que aí se encontram têm estado confundidos pelas próprias previsões, nas surpresas decorrentes da sucessão dos acontecimentos ainda nos seus dias...
A cada instante, recursos novos e novas soluções são encontrados para os problemas humanos. Escasso, porém, é o amor nos corações, cuja ausência fomenta a fome de fraternidade, de afeição e de misericórdia, responsável pelas misérias que se multiplicam em toda parte.
Não desejamos aqui reportar-nos às guerras de extermínio, que o próprio homem tem engendrado e de que se utiliza a divindade para manter o equilíbrio demográfico, nem tão-pouco às calamidades sísmicas que irrompem cada dia Voluptuosas, Convidando a salutares reflexões.
Quando um filho enriquece um lar, traz com ele os valores indispensáveis à própria evolução, Intrínseca e extrinsecamente.
A cautela de que se utilizam alguns pais, aguardando comodidade financeira para pensar na progenitura, nem sempre é válida, graças às próprias vicissitudes que conduzem uns à ruína econômica e outros à abastança por meios imprevisíveis.
A programação da família não pode ser resultado da Opinião genérica dos demógrafos assustados, mas fruto do diálogo franco e ponderado dos próprios cônjuges, que assumem a responsabilidade pelas atitudes de que darão conta.
O uso dos anticonceptivos como a implantação no útero de dispositivos anticoncepcionais, mesmo quando considerado legal, higiênico, necessita Possuir caráter moral, a fim de se evitarem danos de variada conseqüência ética.
A chamada necessidade do “amor livre” vem impondo o uso desordenado dos anovulatórios, de certo modo favorecendo a libertinagem humana, a degenerescência dos Costumes, a desorganização moral, e, conseqüentemente, social dos homens, que se tornam vulneráveis à delinqüência, à violência e às múltiplas frustrações que ora infelicitam verdadeiras multidões que transitam inermes e hebetadas, arrojando-se aos abusos alucinógenos à loucura, ao suicídio...
Experiências de laboratório com roedores, aos quais se permitem a procriação incessante, hão demonstrado que a Superpopulação em espaços exíguos os alucina e os incapacita.
Daí defluem, apressados, que o mesmo se vem dando com o homem, para justificarem a falência dos valores éticos, e utilizando-se da observação a fim de fomentarem a necessidade de impedir-se a natalidade espontânea... Em realidade, porém, os fatos demonstram que, com o homem, o fenômeno não é análogo.
Quando os recursos do Evangelho forem realmente utilizados, a pacificação e a concórdia dominarão os corações...
* * *
 Antes das deliberações finalistas quanto à utilização deste ou daquele recurso anticonceptivo, no falso pressuposto de diminuir a densidade de habitantes, no mundo, recorre ao Evangelho, ora e medita.
Deus tudo provê, sem dúvida, utilizando o próprio homem para tais fins.
Em toda parte na Criação vigem as leis do equilíbrio, particularmente do equilíbrio biológico.
Olha em derredor e concordarás.
Os animais multiplicam-se, as espécies surgem ou desaparecem por impositivos evolutivos, naturais.
Muitas espécies ora extintas sofreram a sanha do homem desarvorado. Mas a ordem divina sempre programou com sabedoria a reprodução e o desaparecimento automático.
O fantasma da fome de que se fala, mesmo quando a Terra não possuía superpopulação, como as pestes e as guerras dizimaram no passado cidades, países inteiros.
Conserva os códigos morais insculpidos no espírito e organiza tua família, confiante, entregando-te a Deus e porfiando no Bem, porquanto em última análise dEle tudo procede como atento Pai de todos nós.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

28 - O Bom Ladrão

Continuação da leitura do Livro "Boa Nova" de Humberto de Campos

 psicografada por Chico Xavier


Alguns dias antes da prisão do Mestre, os discípulos, nas suas discussões naturais, comentavam o problema da fé, com o desejo desordenado de quantos se atiraram aos assuntos graves da vida, tentando apressadamente forçar uma solução.
– Como será essa virtude? De que modo conservá-la-emos intacta no coração? – inquiria Levi, com atormentado pensamento – Tenho a convicção de que somente o homem culto pode conhecer toda a extensão de seus benefícios.
– Não tanto assim – aventava Tiago, seu irmão – acredito que basta a nossa vontade, para que a confiança em Deus esteja viva em nós.
– Mas a fé será virtude para os que apenas desejam? – Perguntava um dos filhos de Zebedeu.
A um canto, como distante daqueles duelos da palavra, Jesus parecia meditar. Em dado instante, solicitado ao esclarecimento, respondeu com suavidade:
– A fé pertence, sobretudo, aos que trabalham e confiam. Tê-la no coração é estar sempre pronto para Deus. Não importam a saúde ou a enfermidade do corpo, não têm significação os infortúnios ou os sucessos felizes da vida material. A alma fiel trabalha confiante nos desígnios do Pai, que pode dar os bens, retirá-los e restituí-los em tempo oportuno, e caminha sempre com serenidade e amor, por todas as sendas pelas quais a mão generosa do Senhor a queira conduzir.
– Mas Mestre – redarguiu Levi, em respeitosa atitude – como discernir a vontade de Deus, naquilo que nos acontece? Tenho observado grande número de criaturas criminosas que atribuem à Providência os seus feitos delituosos e uma legião de pessoas inertes que classificam a preguiça como fatalidade divina.
– A vontade de Deus, além da que conhecemos através de sua lei e de seus profetas, através do conselho sábio e das inclinações naturais para o bem, é também a que se manifesta, a cada instante da vida, misturando a alegria com as amarguras, concedendo a doçura ou retirando-a, para que a criatura possa colher a experiência luminosa no caminho mais espinhoso. Ter fé, portanto, é ser fiel a essa vontade, em todas as circunstâncias, executando o bem que ela nos determina e seguindo-lhe o roteiro sagrado, nas menores sinuosidades da estrada que nos compete percorrer.
– Entretanto – observou Tomé – creio que essa qualidade excepcional deve ser atributo do espírito mais cultivado, porque o homem ignorante não poderá cogitar da aquisição de semelhante patrimônio.
O Mestre fitou o apóstolo com amor e esclareceu:
– Todo homem de fé será, agora ou mais tarde, o irmão dileto da sabedoria e do sentimento; porém, essa qualidade será sempre a do filho leal ao Pai que está nos céus. O discípulo sorriu e obtemperou:
– Todavia, quem possuirá no mundo lealdade perfeita como essa?
– Ninguém pode julgar em absoluto – disse o Cristo com bondade – a não ser o critério definitivo de Deus; mas se essa conquista da alma não é comum às criaturas de conhecimento parco ou de posição vulgar, é bem possível que a encontremos no peito exausto dos mais infelizes ou desclassificados do mundo.
O apóstolo sorriu desapontado, no seu cepticismo de homem prático. Dentro em pouco, a pequena comunidade se dispersava, à aproximação do manto escuro da noite.
***
Na hora sombria da cruz, disfarçado com vestes diferentes, Tomé acompanhou, passo a passo, o corajoso Messias.
Estranhas reflexões surgiam-lhe no espírito. Sua razão de homem do mundo não lhe proporcionava elementos para a compreensão da verdade toda. Onde estava aquele Deus amoroso e bom, sobre quem repousavam as suas esperanças? Seu amor possuiria apenas uma cruz para oferecer ao filho dileto? Por que motivo não se rasgavam os horizontes, para que as legiões dos anjos salvassem do crime da multidão inconsciente e furiosa o Mestre amado? Que providência era aquela que se não manifestava no momento oportuno? Durante três anos consecutivos haviam acreditado que Deus guardava todo o poder sobre o mundo; não conseguia, pois, explicar como tolerava aquele espetáculo sangrento de ser o seu enviado, amorável e carinhoso, conduzido para o madeiro infamante, sob impropérios e pedradas. O prêmio do Cristo era então aquele monte da desolação, reservado aos criminosos?
Ansioso, o discípulo contemplou aquelas mãos, que haviam semeado a bem e o ardor, agora agarradas à cruz, como duas flores ensanguentadas. A fronte aureolada de espinhos era uma nota irônica, na sua figura sublime e respeitável. Seu peito tremia, ofegante, seus ombros deveriam estar pisados e doloridos. Valera a pena haver distribuído, entre os homens, tantas graças do céu? O malfeitor que assaltava o próximo era, agora, a seu ver, o dono de mais duradouras compensações.
Tomé se sentia como que afogado. Desejou encontrar algum dos companheiros para trocar impressões; entretanto, não viu um só deles. Procurou observar se os beneficiados pelo Messias lhe assistiam ao martírio humilhante, na hora final, lembrado de que ainda na véspera se mostravam tão reconhecidos e felizes com sua presença santa. A ninguém encontrou. Aqueles leprosos que haviam recuperado o dom precioso da saúde, os cegos que conseguiram rever o quadro caricioso da vida, os aleijados que haviam cantado hosanas à cura de seus corpos defeituosos, estavam agora ausentes, fugiam ao testemunho. Valera a pena praticar o bem? O apóstolo, mergulhado em dolorosos e sombrios pensamentos, deixava absorver-se em estranhas interrogações.
Reparou que em torno da cruz estrugiam gargalhadas e ironias. O Mestre, contudo, guardava no semblante uma serenidade inexcedível. De vez em quando, seu olhar se alongava por sobre a multidão, como querendo descobrir um rosto amigo.
Sob as vociferações da turba amotinada, a Tomé parecia-lhe escutar ainda o ruído inolvidável dos cravos do suplício. Enquanto as lanças e os vitupérios se cruzavam nos ares, fixou os dois malfeitores que a justiça do mundo havia condenado à pena última. Aproximou-se da cruz e notou que o Messias punha nele os olhos amorosos, como nos tempos mais tranquilos. Viu que um suor empastado de sangue lhe corria do rosto venerável, misturando-se com o vermelho das chagas vivas e dolorosas. Com aquele olhar inesquecível, Jesus lhe mostrou as úlceras abertas, como o sinal do sacrifício. O discípulo experimentou penosa emoção a lhe dominar a alma sensível. Olhos nevoados de pranto, recordou os dias radiosos do Tiberíades.
As cenas mais singelas do apóstolo ressurgiam ante a sua imaginação. Subitamente, lembrou-se da tarde que haviam comentado o problema da fé, parecendo-lhe ouvir ainda as elucidações do Mestre, com respeito à perfeita lealdade a Deus.
Reflexões instantâneas lhe empolgaram o coração.
Quem teria sido mais fiel ao Pai do que Jesus?
Entretanto, a sua recompensa era a cruz do martírio! Absorto em singulares pensamentos, o apóstolo observou que o Messias lançava agora os olhos enternecidos sobre um dos ladrões que o fixava afetuosamente.
Nesse instante, percebeu que a voz débil do celerado se elevava para o Mestre, em tom de profunda sinceridade:
– Senhor! – disse ele, ofegante – lembra-te de mim, quando entrares no teu Reino!...
O discípulo reparou que Jesus lhe endereçava, então, o olhar caricioso, ao mesmo tempo que aos seus ouvidos chegavam os ecos de sua palavra suave e esclarecedora :
– Vês, Tomé? Quando todos os homens da lei não me compreenderam e quando os meus próprios discípulos me abandonaram, eis que encontro a confiança leal no peito de um ladrão!...
***
Inquieto, o discípulo meditou a lição recebida e, horas a fio, contemplou o espetáculo penoso, até ao momento em que o Mestre foi retirado da cruz da derradeira agonia. Começava, então, a compreender a essência profunda de seus ensinos imortais.
Como se o seu espírito fora transportado ao cume de alto monte, pareceu-lhe observar daí a pesada marcha humana. Viu conspícuos homens da lei, sobraçando os livros divinos; doutores enfatuados de orgulho passavam eretos, exibindo os mais complicados raciocínios. Homens de convicções sólidas integravam o quadro, entremostrando a fisionomia satisfeita. Mulheres vaidosas ou fanáticas lá iam, igualmente, revelando seus títulos diletos. Em seguida, vinham os diretamente beneficiados pelo Mestre Divino. Era a legião dos que se haviam levantado da miséria física e das ruínas morais. Eram os leprosos de Jerusalém, os cegos de Cafarnaum, os doentes de Sidon, os seguidores aparentemente mais sinceros, ao lado dos próprios discípulos que desfilavam envergonhados e se dispersavam, indecisos, na hora extrema.
Possuído de viva emoção, Tomé se pôs a chorar intimamente. Foi então que presumiu escutar uns passos delicados e quase imperceptíveis. Sem poder explicar o que se dava, julgou divisar, a seu lado, a inolvidável figura do Mestre, que lhe colocou as mãos leves e amigas sobre a fronte atormentada, repetindo-lhe ao coração as palavras que lhe havia endereçado da cruz:
– Vês, Tomé? Quando todos os homens da lei não me compreenderam e os próprios discípulos me abandonaram, eis que encontro a confiança leal no peito de um ladrão!...

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