Continuação da leitura do Livro "Boa Nova" de Humberto de Campos
psicografada por Chico Xavier
Depois do Calvário,
verificadas as primeiras manifestações de Jesus no cenáculo singelo de
Jerusalém, apossara-se de todos os amigos sinceros do Messias uma saudade
imensa de sua palavra e de seu convívio. A maioria deles se apegava aos
discípulos, como querendo reter as últimas expressões de sua mensagem carinhosa
e imortal.
O ambiente era um
repositório vasto de adoráveis recordações. Os que eram agraciados com as
visões do Mestre se sentiam transbordantes das mais puras alegrias. Os
companheiros inseparáveis e íntimos se entretinham em longos comentários sobre
as suas reminiscências inapagáveis.
Foi quando Simão Pedro e
alguns outros salientaram a necessidade do regresso a Cafarnaum, para os
labores indispensáveis da vida.
E, breves dias, as velhas
redes mergulhavam de novo no Tiberíades, por entre as cantigas rústicas dos
pescadores.
Cada onda mais larga e
cada detalhe do serviço sugeriam recordações sempre vivas no tempo. As
refeições ao ar livre lembravam o contentamento de Jesus ao partir o pão; o
trabalho, quando mais intenso, como que avivava a sua e recomendação de bom
ânimo; a noite silenciosa reclamava a sua bênção amiga.
Embebidos na poesia da
Natureza, os apóstolos organizavam os mais elevados projetos, com relação ao
futuro do Evangelho. A residência modesta de Cefas, obedecendo às tradições dos
primitivos ensinamentos, continuava a ser o parlamento amistoso, onde cada um
expunha os seus princípios e as suas confidências mais recônditas. Mas ao pé do
monte o Cristo se fizera ouvir algumas vezes, exaltando as belezas do Reino de
Deus e da sua justiça, reunia-se invariavelmente todos os antigos seguidores
mais fiéis, que se haviam habituado ao doce alimento de sua palavra
inesquecível. Os discípulos não eram estranhos a essas rememorações carinhosas
e, ao cair da tarde acompanhavam a pequena corrente popular pela via das
recordações afetuosas.
Falava-se vagamente de que
o Mestre voltaria ao monte para despedir-se. Alguns dos apóstolos aludiam às
visões em que o Senhor prometia fazer de novo ouvida a sua palavra num dos
lugares prediletos das suas pregações de outros tempos.
Numa tarde de azul
profundo, a reduzida comunidade de amigos do Messias, ao lado da pequena
multidão, reuniu-se em preces, no sítio solitário. João havia comentado as
promessas do Evangelho, enquanto na encosta se amontoava a assembleia dos fiéis
seguidores do Mestre.
Viam-se, ali, algumas
centenas de rostos embevecidos e ansiosos. Eram romanos de mistura com judeus
desconhecidos, mulheres humildes conduzindo os filhos pobres e descalços,
velhos respeitáveis, cujos cabelos alvejavam de neve dos repetidos invernos da
vida.
***
Nesse dia, como que antiga
atmosfera se fazia sentir mais fortemente. Por instinto, todos tinham a
impressão de que o Mestre voltaria a ensinar as bem-aventuranças celestiais. Os
ventos recendiam suave perfume, trazendo as harmonias do lago próximo. Do céu
muito azul, como em festa para receber a claridade das primeiras estrelas,
parecia descer uma tranquilidade imensa que envolvia todas as coisas. Foi nesse
instante, de indizível grandiosidade, que a figura do Cristo assomou no cume
iluminado pelos derradeiros raios de Sol.
Era Ele.
Seu sorriso desabrochava
tão meigo como ao tempo glorioso de suas primeiras pregações, mas de todo o seu
vulto se irradiava luz tão intensa que os mais fortes dobravam os joelhos.
Alguns soluçavam de júbilo, presas das emoções mais belas de sua vida. As mãos
do Mestre tomaram a atitude de que abençoava, enquanto um divino silêncio
parecia penetrar a alma das coisas. A palavra articulada não tomou parte
naquele banquete de luz imaterial; todos, porém, lhe perceberam a amorosa
despedida e, no mais intimo da alma, lhe ouviram a exortação magnânima e
profunda:
- "Amados - a cada um
se afigurou escutar na câmara secreta do coração -, eis que retorno a vida em
meu Pai para regressar à luz do meu Reino!... Enviei meus discípulos como
ovelhas ao meio de lobos e vos recomendo que lhes sigais os passos no escabroso
caminho. Depois deles, é a vós que confio a tarefa sublime da redenção pelas
verdades do Evangelho. Eles serão os semeadores, vós sereis o fermento divino.
Instituo-vos os primeiros trabalhadores, os herdeiros iniciais dos bens
divinos. Para entrardes na posse do tesouro celestial, muita vez
experimentareis o martírio da cruz e o fel da ingratidão... Em conflito
permanente com o mundo, estareis na Terra, fora de suas leis implacáveis e
egoístas, até que as bases do meu Reino de concórdia e justiça se estabeleçam
no espírito das criaturas. Negai-vos a vós mesmos, como neguei a minha própria
vontade na execução dos desígnios de Deus, e tomai a vossa cruz para seguir-me.
"Séculos de luta vos
esperam na estrada universal. É preciso imunizar o coração contra todos os
enganos da vida transitória, para a soberana grandeza da vida imortal. Vossas sendas
estão repletas de fantasmas de aniquilamento e de visões de morte. O mundo
inteiro se levantará contra vós, em obediência espontânea às forças tenebrosas
do mal, que ainda lhe dominam as fronteiras. Sereis escarnecidos e
aparentemente desamparados; a dor vos assolará as esperanças mais caras;
andareis esquecidos na Terra, em supremo abandono do coração. Não participareis
do venenoso banquete das posses materiais, sofrerei a perseguição e o terror
tereis o coração coberto de cicatrizes e de ultraje. A chaga é o vosso sinal, a
coroa de espinhos, vosso percurso ditoso da redenção. Vossa voz será a do
deserto, provocando, muitas vezes, o escárnio e a negação da parte dos que
dominam na carne perecível.
"Mas no desenrolar
das batalhas incruentas do coração, quando todos os horizontes estiverem
abafados pelas sombras da crueldade, dar-vos-ei da minha paz, que representa a
água viva. Na existência ou na morte do corpo, estareis unidos ao meu Reino. O
mundo vos cobrirá de golpes terríveis e destruidores, mas, de cada uma das
vossas feridas, retirarei o trigo luminoso para os celeiros infinitos da graça,
destinados ao sustento das mais ínfimas criaturas!... Até que o Reino se
estabeleça na Terra, não conhecereis o amor no mundo; eu, no entanto, encherei
a vossa solidão com minha assistência incessante. Gozarei em vós, como gozareis
em mim, o júbilo celeste da execução fiel dos desígnios de Deus. Quando
tombardes, sob as arremetidas dos homens ainda pobres e infelizes, eu vos
levantarei no silêncio do caminho, com as minhas mãos dedicadas ao vosso bem.
Sereis a união onde houver separatividade, sacrifício onde existir o falso
gozo, claridade onde campearem as trevas, porto amigo, edificado na rocha da fé
viva, onde pairarem as sombras da desorientação. Sereis meu refúgio nas igrejas
mais estranhas da Terra, minha esperança entre as loucuras humanas, minha
verdade onde se perturbar a ciência incompleta do mundo!...
"Amados, eis que
também vos envio como ovelhas aos caminhos obscuros e ásperos. Entretanto, nada
temais! Sede fiéis ao meu coração, como vos sou fiel, e o bom ânimo
representará a vossa estrela! Ide ao mundo, onde teremos de vencer o mal!
Aperfeiçoemos a nossa escola milenária, para que aí seja interpretada e posta
em prática a Lei de Amor do Nosso Pai, em obediência feliz à sua vontade
augusta!"
Sagrada emoção
senhoreara-se das almas em êxtase de ventura. Foi então que observaram o
Mestre, rodeado de luz, como a elevar-se ao céu, em demanda de sua gloriosa
esfera do infinito.
***
Os primeiros astros da noite
brilhavam no alto, como flores radiosas do Paraíso. No monte Galileu, cinco
centenas de corações palpitavam, arrebatados por intraduzível júbilo. Velhos
trêmulos e encarquilhados desceram a encosta, unidos uns aos outros, como
solidários, para sempre, no mesmo trabalho de grandeza imperecível. Anciãs de
passo vacilante, coroadas pela neve das experiências da vida, abraçavam-se às
filhas e netas, jovens e ditosas, tomadas de indefinível embriaguez d'alma.
Romanos e judeus, ricos e pobres confraternizavam, felizes, adivinhando a
necessidade de cooperação na tarefa santa. Os antigos discípulos, cercando a
figura de Simão Pedro, choravam de contentamento e esperança.
Naquela noite de
imperecível recordação, foi confiado aos quinhentos da Galileia o serviço glorioso
da evangelização das coletividades terrestres, sob a inspiração de Jesus -
Cristo. Mal sabiam eles, na sua mísera condição humana, que a palavra do Mestre
alcançaria os séculos do porvir. E foi assim que, representando o fermento
renovador do mundo, eles reencarnaram em todos os tempos, nos mais diversos
climas religiosos e políticos do planeta, ensinando a verdade e abrindo novos
caminhos de luz, através dos bastidores eternos do Tempo.
Foram eles os primeiros a
transmitir a sagrada vibração de coragem e confiança aos que tombaram nos
campos do martírio, semeando a fé no coração pervertido das criaturas. Nos
circos da vaidade humana, nas fogueiras e nos suplícios, ensinaram a lição de
Jesus, com resignado heroísmo. Nas artes e nas ciências, plantaram concepções
novas de desprendimento do mundo e de belezas do céu e, no seio das mais
variadas religiões da Terra, continuam revelando o desejo do Cristo, que é de
união e de amor, de fraternidade e concórdia.
Na qualidade de discípulos
sinceros e bem-amados, desceram aos abismos mais tenebrosos, redimindo o mal
com os seus sacrifícios purificadores, convertendo, com as luzes do Evangelho,
à corrente da redenção, os espíritos mais empedernidos. Abandonados e
desprotegidos na Terra, eles passam, edificando no silêncio as magnificências
Reino de Deus, nos países dos corações e, multiplicando as notas de seu cântico
de glória por entre os que se constituem instrumentos sinceros do bem com Jesus
Cristo, formam a caravana sublime que nunca se dissolverá.
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