sábado, 24 de setembro de 2011

11 - O SERMÃO DO MONTE



(Continuação da leitura do Livro "Boa Nova" de Humberto de Campos 
psicografada por Chico Xavier)
Difundidas as primeiras claridades da Boa-Nova, todos os enfermos e derrotados da sorte, habitantes de Corazin, Magdala, Betsaida Dalmanuta e outras aldeias importantes do lago enchiam as ruas de Cafarnaum em turbas ansiosas.
Os companheiros do Mestre eram os mais visados pela multidão, por motivo do permanente contato, em que viviam com o seu amor. De vez em quando, Felipe era assaltado, em caminho, por uma onda de doentes; Pedro tinha a casa rodeada de criaturas desalentadas e tristes. Todos queriam o auxilio de Jesus, o benefício imediato de sua poderosa virtude.
Aos primeiros dias do apostolado, um pequeno grupo de infelizes procurou Levi na sua confortável residência. Desejavam explicações sobre o Evangelho do Reino, de modo a trabalharem com mais acerto na observância dos ensinamentos do Cristo. O coletor da cidade manifestou certa estranheza.
– Afinal – disse ele aos infortunados que o procuravam – o novo reino congregará todos os corações sinceros e de boa vontade, que desejem irmanar-se como filhos de Deus. Mas, que podeis fazer na situação em que vos encontrais?
E, dirigindo-se a três deles, seus conhecidos pessoais, falou convicto:
– Que poderás realizar, Lisandro, aleijado como és?! E tu, Áquila, não foste abandonado pela própria família, sob o peso de sérias acusações? E tu Pafos? Acaso edificarias alguma coisa com as tuas atuais aflições?
Os interpelados entreolharam-se cabisbaixos, humilhados. Somente então chegavam a reconhecer as suas penosas deficiências. A palavra rude de Levi os despertara. Tornara-os uma dor sem limites.
Jesus dissera, nas suas pregações carinhosas, que seu amor viera buscar todos os que se encontrassem em tristeza e em angústias do coração. Quando o Mestre chegara, haviam experimentado a restauração de todas as energias. Jubilosos, guardavam as suas promessas, relativamente ao Pai justo e bom, que amava aos filhos mais infelizes, renovando nos corações as esperanças mais puras. Achavam-se exaustos; mas a lição de Jesus lhes trouxera novo consolo às almas desamparadas de qualquer conforto material. Queriam ser de Deus, vibrar com a exaltação das promessas do Cristo, porém, a palavra de Levi novamente os arrojara à condição desditosa.
O grupo de pobres e infortunados retirou-se desalento no entanto, o Mestre pregaria no monte, àquela tarde, e, quem sabe, ministraria os ensinamentos de que necessitavam?!...
***
Decorridos alguns instantes, Jesus, em companhia de André deu entrada em casa de Levi, onde se puseram os três em animada palestra. O coletor, a certa altura da conversação, a sorrir ingenuamente, relatou a ocorrência, terminando alegremente a sua exposição, com estas palavras:
– Que conseguiria o Evangelho do Reino, com esses aleijados e mendigos? – Mas, lembrando-se de súbito que os demais companheiros eram criaturas pobres e humildes, acrescentou: - É justo esperemos alguma coisa dos pescadores de Cafarnaum são homens fortes e desassombrados e o bom trabalho lhes cabe. Não vejo, porém, como aceitar a contrição desses desafortunados e vencidos que nos procuram.
Jesus fixou o olhar no discípulo com profundo desvelo e falou com bondade batendo -lhe levemente no ombro.
– No entanto, Levi, precisamos amar e aceitar a preciosa colaboração dos vencidos do mundo!... Se o Evangelho é a Boa-Nova, como não há de ser a mensagem divina para eles tristes e deserdados na imensa família humana? Os vencedores da Terra não necessitam de boas notícias. Nas derrotas da sorte, as criaturas ouvem mais alto a voz de Deus. Buscando os oprimidos, os aflitos e os caluniados sentimo-los tão unidos ao céu, nas suas esperanças, que reconhecemos, na coragem tranqüila que revelam, um sublime reflexo da presença de Nosso Pai em seus espíritos. Já observaste algum vencedor do mundo com mais alta preocupação do que a de defender o fruto de sua vitória material? Levi se sentia comovido e, aproveitando a pequena pausa que se fizera, exclamou algo desapontado:
– Senhor minhas observações partiram tão só do meu intenso desejo de apressar a supremacia do Evangelho entre os que governam no mundo!...
– Quem governa o mundo é Deus – afirmou o Mestre convictamente – e o amor não age com inquietação. Agora, imaginemos Levi, que os triunfadores da Terra viessem até nós, ensarilhando suas armas exteriores. Figuremos alguns generais romanos chegando a Cafarnaum com os seus troféus numerosos e sangrentos, afirmando-se desejosos de aceitar o Evangelho do Reino de Deus e oferecendo-se para cooperar em nosso esforço. Certamente trariam consigo legiões de guardas e soldados, funcionários e escribas, carros de triunfo, espadas e prisioneiros... Começariam protestando contra as nossas pregações pelas estradas desataviadas da natureza. Por não estarem, no íntimo, desarmados das validades das vitórias, edificariam suntuosos templos de pedra, em cuja construção lutariam duramente por hegemonias inferiores; uns desejariam. palácios soberbos, outros empreenderiam a construção de jardins maravilhosos. Recordando a ação das espadas mortíferas, talvez pretendessem disputar a ferro e fogo o estabelecimento do Reino de Deus, exterminando-se recìprocamente, por não cederem uns aos outros, de seus pontos de vista, desde que cada vencedor se julga, no mundo, com maior soma de direitos e de importância. A pretexto de lutar em nome do céu espalhariam possivelmente incêndios e devastações em toda a Terra. E seria justo, Levi, trabalhássemos por cumprir a vontade do Nosso Pai, aniquilando seus filhos, nossos irmãos?
O apostolo o ouvia assombrado, em face da profundeza de sua argumentação. O Mestre continuou:
– Até que a esponja do Tempo absorva as imperfeições terrestres, através de séculos de experiência, necessária, os triunfadores do mundo são pobres seres que caminham por entre tenebrosos abismos. É imprescindível, pois, atestemos na alma branda e humilde dos vencidos. Para os seus corações Deus carreia bênçãos de infinita bondade. Esses quebraram, os elos mais fortes que os acorrentavam às ilusões e marcham para o Infinito do amor e da sabedoria. O leito de dor, a exclusão de todas as facilidades da vida, a incompreensão dos mais amados, as chagas e as cicatrizes do espírito são luzes que Deus acende na noite sombria das criaturas. Levi, é necessário amemos intensamente aos desafortunados do mundo. Suas almas são a terra fecundada pelo adubo das lágrimas e das esperanças mais ardentes onde as sementes do Evangelho desabrocharão para a luz da vida. Eles saíram das convenções nefastas e dos enganos do caminho terrestre e bendizem do Nosso Pai, como sentenciados que experimentassem no primeiro dia de liberdade, o clarão reconfortante do sol amigo e radioso perdido! É também sobre os vencido da sorte sobre os que suspiram por um ideal mais santo e mais puro do que as vitórias fáceis da Terra, que o Evangelho assentará suas bases divinas!...
André e Levi escutavam de olhos úmidos os conceitos do Senhor cheios de sublimada emoção. Nesse ínterim, chegaram Tiago, João e Pedro e todo o grupo se dirigiu, alegre, para um dos montes próximos.
***
O crepúsculo descia num deslumbramento de ouro e brisas cariciosas. Ao longo de toda a encosta, acotovelava-se a turba imensa. Muitas centenas de criaturas se aglomeravam ali, afim de ouvirem a palavra do Senhor, dentro da paisagem que se aureolava dos brilhos singulares de todo o horizonte pincelada de luz. Eram velhinhos trêmulos, lavradores simples e generosos, mulheres do povo agarradas aos filhinhos. Entre os mais fortes e sadios, viam-se cegos e crianças doentes, homens maltrapilhos, exibindo as verminas que lhes corroíam as mãos e os pés. Todos se comprimiam ofegantes. Ante os seus olhares felizes, a figura do Mestre surgiu na eminência enfeitada de verdura onde perpassavam brandamente os ventos amigos da tarde. Deixando perceber que se dirigia aos vencidos e sofredores do mundo inteiro e como que esclarecendo o espírito de Levi, que representava a aristocracia intelectual entre os seus discípulos, na sua qualidade de cobrador dos tributos populares, Jesus, pela primeira vez, pregou as bem-aventuranças celestiais. Sua voz caía como bálsamo eterno, sobre os corações desditosos.
Bem-aventurados os pobres e os aflitos!
Bem-aventurados os sedentos de justiça e misericórdia!...
Bem-aventurados os pacíficos e os simples de coração!...
Por muito tempo falou do Reino de Deus, onde o amor edificaria maravilhas perenes e sublimadas. Suas promessas pareciam dirigidas ao incomensurável futuro humano. Do alto do monte, soprava um vento leve, em deliciosas vagas de perfume. As brisas da Galiléia se haviam impregnado da virtude poderosa e indestrutível daquelas palavras e, obedecendo a uma determinação superior, iam espalhar-se entre todos os aflitos da Terra.
Quando Jesus terminou a sua alocução, algumas estrelas já brilhavam no firmamento, como radiosas bênçãos divinas. Muitas mães sofredoras e oprimidas, com suave fulgor nos olhos, lhe trouxeram os filhinhos para que ele os abençoasse. Anciãos de frontes nevadas pelos invernos da vida lhe beijavam as mãos. Cegos e leprosos rodeavam-no com semblante sorridente e diziam: – Bendito seja o filho de Deus! Jesus acolhia-os satisfeito, enviando a todos o sorriso de sua afeição.
Levi sentiu que, naquele crepúsculo inolvidável, uma emoção diferente lhe dominava a alma. Havia compreendido os que abandonam as ilusões do mundo para se elevarem a Deus. Observando as filas dos humildes populares que se retiravam, tomados de imenso conforto, o discípulo percebeu que os pobres amigos que o visitaram à tarde desciam o monte, abraçados, com uma expressão de grande ventura, como se os animasse um júbilo sem limites. O coletor de Cafarnaum aproximou-se e os saudou transbordante de alegria, compreendendo que o ensino do Mestre, em toda a sua luz, abrangia o porvir infinito do mundo. Grande esperança e indefinível paz lhe haviam penetrado o âmago do ser. No dia imediato, o ex-publicano abriu as suas portas a todos os convivas daquele crepúsculo memorável. Jesus participou da festa, partiu o pão e se alegrou com eles. E quando Levi abraçou o aleijado Lisandro, com a sinceridade de sua alma fiel o Mestre o contemplou enternecido e disse: – “Levi, meu coração se rejubila hoje contigo, porque são também bem-aventurados todos os que ouvem e compreendem a palavra de Deus!"...

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