(Continuação da leitura do Livro "Boa Nova"
de Humberto de Campos
psicografada por Chico Xavier)
As primeiras
peregrinações do Cristo e de seus discípulos, em torno do lago, haviam
alcançado inolvidáveis triunfos. Eram doentes atribulados que agradeciam o alívio
buscado ansiosamente; trabalhadores humildes que se enchiam de santas
consolações ante as promessas divinas da Boa Nova.
Aquelas atividades,
entretanto, começaram a despertar a reação dos judeus rigoristas, que viam em
Jesus um perigoso revolucionário. O amor que o profeta nazareno pregava vinha
quebrar antigos princípios da lei judaica. Os senhores da terra observavam
cuidadosamente as palestras dos escravos, que permutavam imenso júbilo,
proveniente das esperanças num novo reino que não chegavam a compreender. Os
mais egoístas pretendiam ver no profeta generoso um conspirador vulgar, que
desejava levantar as iras populares contra a dominação de Herodes; outros
presumiam na sua figura um feiticeiro incomum, que era preciso evitar.
Foi assim que a
viagem do Mestre a Nazaré redundou numa excursão de grandes dificuldades,
provocando de sua parte as observações quase amargas que se encontram no
Evangelho, com respeito ao berço daqueles que o deveriam guardar no santuário
do coração. Não foram poucos os adversários de suas idéias renovadoras que o
precederam na cidade minúscula, buscando neutralizar-lhe a ação por meio de
falsas notícias e desmoralizá-lo, argumentando com informações mal alinhavadas
de alguns nazarenos.
Jesus sentiu de
perto a delicadeza da situação que se lhe criara com a primeira investida dos
inimigos gratuitos de sua doutrina; mas, aproveitou todas as oportunidades para
as melhores ilações na esfera do ensinamento.
No entanto, o mesmo
não aconteceu a seus discípulos. Filipe e Simão Pedro chegaram a questionar
seriamente com alguns senhores da região, trocando palavras ásperas, em torno
das edificações do Messias. As gargalhadas irônicas, as apreciações menos
dignas lhes acendiam no ânimo propósitos impulsivos de defesas apaixonadas. Não
faltavam os que viam no Senhor um servo ativo do espírito do mal, um inimigo de
Moisés, um assecla de príncipes desconhecidos, ou de traidores ao poder
político de Antipas. Tamanhas foram as discussões em Nazaré, que os seus
reflexos nocivos se faziam sentir fortemente sobre toda a comunidade dos
discípulos. Pedro e André advogavam a causa do Mestre com expressões incisivas
e sinceras. Tiago aborrecia-se com a análise dos companheiros. Levi protestava,
expressando o desejo de instituir debates públicos, de maneira a evidenciar-se
a superioridade dos ensinos do Messias, em confronto com os velhos textos.
Jesus compreendeu
os acontecimentos e, calmamente, ordenou a retirada, afastando-se da cidade com
tranqüilo sorriso.
Não obstante a
determinação e apesar do regresso a Cafarnaum, a maioria dos apóstolos
prosseguiu em discussão, estranhando que o Mestre nada fizesse, reagindo contra
as envenenadas insinuações a seu respeito.
***
Daí a alguns dias,
obedecendo às circunstâncias ocorrentes naquela situação, Pedro e Filipe
procuraram avistar-se com o Senhor, ansiosos pela claridade dos seus ensinos.
– Mestre,
chamaram-vos servo de satanás e reagimos prontamente! dizia Pedro, com
sinceridade ingênua.
– Observávamos que
por vós mesmo nunca oporíeis a contradita – ajuntava Filipe, convicto de haver
prestado excelente serviço ao Mestre bem-amado – e por isso revidamos aos
ataques com a maior força de nossas expressões.
Não obstante o
calor daquelas afirmativas, Jesus meditava com uma doce placidez no olhar
profundo, enquanto os interlocutores o contemplavam, ansiando pela sua palavra
de franqueza e de amor.
Afinal, saindo de
suas reflexões silenciosas, o Mestre interrogou:
– Acaso poderemos
colher uvas nos espinheiros? De modo algum me empenharia em Nazaré numa contradita
estéril aos meus opositores. Contudo, procurei ensinar que a melhor réplica é
sempre a do nosso próprio trabalho, do esforço útil que nos seja possível.
Nesse particular, não deixei de operar na minha esfera de ação, de modo a
produzir resultados a nossa excursão à cidade vizinha, tornando-a proveitosa,
sem desdenhar as palavras construtivas no instante oportuno. De que serviriam
as longas discussões públicas, inçadas de doestos e zombarias? Ao termo de
todas elas, teríamos apenas menores probabilidades para o triunfo glorioso do
amor e maiores motivos para a separatividade e odiosas dissensões. Só devemos
dizer aquilo que o coração pode testificar mediante atos sinceros, porque, de
outra forma, as afirmações são simples ruído sonoro de uma caixa vazia.
– Mestre – atalhou
Filipe, quase com mágoa –, a verdade é que a maioria de quantos compareceram às
pregações de Nazaré falava mal de vós!
– Mas, não será
vaidade exigirmos que toda gente faça de nossa personalidade elevado conceito?
– interrogou Jesus com energia e serenidade.
– Nas ilusões que
as criaturas da Terra inventaram para a sua própria vida, nem sempre constitui
bom atestado da nossa conduta o falarem todos bem de nós, indistintamente.
Agradar a todos é marchar pelo caminho largo, onde estão as mentiras da
convenção. Servir a Deus é tarefa que deve estar acima de tudo e, por vezes,
nesse serviço divino, é natural que desagrademos aos mesquinhos interesses
humanos. Filipe, sabes de algum emissário de Deus que fosse bem apreciado no
seu tempo? Todos os portadores da verdade do céu são incompreendidos de seus
contemporâneos. Portanto, é indispensável consideremos que o conceito justo é
respeitável, mas, antes dele, necessitamos obter a aprovação legítima da
consciência, dentro de nossa lealdade para com Deus.
– Mestre –
obtemperou Simão Pedro, a quem as explicações da hora calavam profundamente –,
nos acontecimentos mais fortes da vida, não deveremos, então, utilizar as
palavras enérgicas e justas?
– Em toda
circunstância, convém naturalmente que se diga o necessário, porém, é também
imprescindível que não se perca tempo.
Deixando
transparecer que as elucidações não lhe satisfaziam plenamente, perguntou
Filipe:
– Senhor, vossos
esclarecimentos são indiscutíveis; entretanto, preciso acrescentar que alguns
dos companheiros se revelaram insuportáveis nessa viagem a Nazaré: uns me
acusaram de brigão e desordeiro; outros, de mau entendedor de vossos
ensinamentos. Se os próprios irmãos da comunidade apresentam essas falhas, como
há de ser o futuro do Evangelho?
O Mestre refletiu
um momento e retrucou:
– Estas são
perguntas que cada discípulo deve fazer a si mesmo. Mas, com respeito à
comunidade, Filipe, pelo que me compete esclarecer, cumpre-me perguntar-te se
já edificaste o reino de Deus no íntimo do teu espírito.
– É verdade que
ainda não – respondeu, hesitante, o apóstolo.
– De dentro dessa
realidade, podes observar que, se o nosso colégio fosse constituído de irmãos
perfeitos, teria deixado de ser irrepreensível pela adesão de um amigo que
ainda não houvesse conquistado a divina edificação.
Ambos os discípulos
compreenderam e se puseram a meditar, enquanto o Cristo continuava:
– O que é
indispensável é nunca perdermos de vista o nosso próprio trabalho, sabendo
perdoar com verdadeira espontaneidade de coração. Se nos labores da vida um
companheiro nos parece insuportável, é possível que também algumas vezes
sejamos considerados assim. Temos que perdoar aos adversários, trabalhar pelo
bem dos nossos inimigos, auxiliar os que zombam da nossa fé.
Nesse ponto de suas
afirmativas, Pedro atalhou-o, dizendo:
– Mas, para perdoar
não deveremos aguardar que o inimigo se arrependa? E que fazer, na hipótese de
o malfeitor assumir a atitude dos lobos sob a pele da ovelha?
– Pedro, o perdão não
exclui a necessidade da vigilância, como o amor não prescinde da verdade. A paz
é um patrimônio que cada coração está obrigado a defender, para bem trabalhar
no serviço divino que lhe foi confiado. Se o nosso irmão se arrepende e procura
o nosso auxílio fraterno, amparemo-lo com as energias que possamos despender;
mas, em nenhuma circunstância cogites de saber se o teu irmão está arrependido.
Esquece o mal e trabalha pelo bem. Quando ensinei que cada homem deve
conciliar-se depressa com o adversário, busquei salientar que ninguém pode ir a
Deus com um sentimento de odiosidade no coração. Não poderemos saber se o nosso
adversário está disposto à conciliação; todavia, podemos garantir que nada se
fará sem a nossa boa vontade e pleno esquecimento dos males recebidos. Se o
irmão infeliz se arrepender, estejamos sempre dispostos a ampará-lo e, a todo
momento, precisamos e devemos olvidar o mal.
Foi quando, então,
fez Simão Pedro a sua célebre pergunta:
– “Senhor, quantas
vezes pecará meu irmão contra mim, que lhe hei de perdoar? Será até sete
vezes?”
Jesus
respondeu-lhe, calmamente:
– Não te digo que
até sete vezes, mas até setenta vezes sete.
***
Daí por diante, o
Mestre sempre aproveitou as menores oportunidades para ensinar a necessidade do
perdão recíproco, entre os homens, na obra sublime da redenção.
Acusado de
feiticeiro, de servo de satanás, de conspirador, Jesus demonstrou, em todas as
ocasiões, o máximo de boa vontade para com os espíritos mais rasteiros de seu
tempo. Sem desprezar a boa palavra, no instante oportuno, trabalhou a todas as
horas pela vitória do amor, com o mais alto idealismo construtivo. E no dia
inesquecível do Calvário, em frente dos seus perseguidores e verdugos,
revelando aos homens ser indispensável a imediata conciliação entre o espírito
e a harmonia da vida, foram estas as suas últimas palavras:
– “Pai,
perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem!...”
Comentário do Poster: Essa passagem narrada por Irmão X nos traz muitos
ensinamentos, ressaltaremos aqui alguns que conseguimos captar.
Logo no início, quando Jesus afirma que “só devemos dizer
aquilo que o coração pode testificar mediante atos sinceros”, Ele nos ensina
que as ações não devem ser apenas palavras mortas, o exemplo é a melhor maneira
de mostrar o bom caminho para aqueles com quem convivemos.
Em outro momento, Jesus afirma que ninguém é
unanimidade, isto é, por melhor que tentemos ser sempre haverá pessoas que não
nos querem bem. Pensar que somos considerados por todos é uma ilusão, assevera
Ele que é um caminho de mentiras.
E para fechar esse
comentário, destacamos o Perdão (título dessa mensagem). Em vários momentos Jesus nos
ensina a praticar o perdão de coração, a amparar sempre sem esperar gratidão. Ele
afirma é importante que busquemos o Reino de Deus em nossos corações e que
ninguém chega a Deus com o coração cheio de rancor, revolta e ódio.
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