Conta-se que Tiago, filho de Alfeu, o discípulo de Jesus
extremamente ligado à Lei Antiga, alguns meses depois da crucificação tomou-se
de profunda saudade do Redentor e, suspirando por receber-lhe a visita divina,
afastou-se dos companheiros de apostolado, demandando deleitoso retiro, nas
adjacências de Nazaré.
Ele, que pretendia conciliar os princípios do Cristo com os
ensinamentos de Moisés, não tolerava os distúrbios da multidão.
Não seria mais justo – pensava – aguardar o Senhor na
quietude do campo e na bênção da prece?
Porque misturar-se com os gentios irreverentes?
Simão e os demais
cooperadores haviam permanecido em Jerusalém, confundindo-se com meretrizes e
malfeitores.
Vira-lhes o
sacrifício em favor dos leprosos e dos loucos, das mães desditosas e das crianças
abandonadas, mas não desconhecia que, entre os sofredores que os cercavam, surgiam
oportunidades e ladrões.
Conhecera, de perto, os que iam orar em nome da Boa Nova,
com o intuito de roubar e matar. Acompanhara o martírio de muitas jovens da
família apostólica miseravelmente traídas por homens de má fé que lhes
sufocavam os sonhos, copiando textos do Evangelho renovador. Observara bocas
numerosas glorificando o Santo Nome para, em seguida, extorquirem dinheiro aos
necessitados, sem que ninguém lhes punisse a desfaçatez.
Na grande casa em que
se propunha continuar a obra do Cristo, entravam alimentos condenados e pipas
de vinho com que se intoxicavam doentes, tanto quanto bêbados e vagabundos que
fomentavam a balbúrdia e a perturbação.
Desgostoso, queixara-se a Pedro, mas o rijo pescador que
lutava na chefia do santuário nascente rogara-lhe serenidade e abnegação.
Poderia, contudo, sustentar excessos de tolerância, quando o
Senhor lhes recomendara pureza? Em razão disso, crendo guardar-se isento da
corrupção, abandonara a grande cidade e
confinara-se em ninho agreste na deliciosa planura que se eleva acima do burgo alegre
em que Jesus passou a infância.
Ali, contemplando a paisagem que se desdobra em perspectiva
surpreendente, consolava-se com a visão dos lugares santos a lhe recordarem as
tradições patriarcais.
Diante dele destacavam-se as linhas notáveis do Carmelo, as
montanhas do país de Siquém, o monte Gelboé e a figura dominante do Tabor...
Tiago, habituado ao jejum, comprazia-se em prece constante.
Envergando a veste limpa, erguia-se de leito alpestre, cada
dia, para meditar as revelações divinas e louvar o Celeste Orientador,
aguardando-Lhe a vinda.
Extasiava-se, ouvindo as aves canoras que lhe secundavam as
orações, e acariciava, contente, as flores silvestres que lhe balsamizavam o
calmoso refúgio.
Por mais de duzentos
dias demorava-se em semelhante adoração, ansiando ouvir o Salvador, quando, em
certo crepúsculo doce e longo, reparou que um ponto minúsculo crescia, em pleno
céu.
De joelhos, interrompeu a oração e acompanhou a pequenina
esfera luminosa, até que a viu transformada na figura de um homem, que avançava
em sua direção...
Daí a minutos, mal sopitando a emotividade, reconheceu-se à
frente do Mestre.
Oh! era Ele! A mesma túnica simples, os mesmos cabelos
fartos a se Lhe derramarem nos ombros, o mesmo semblante marcado de amor e
melancolia...
Tiago esperou, mas
Jesus, como se lhe não assinalasse a presença, caminhou adiante, deixando-o à
retarguada...
O discípulo solitário
não suportou semelhante silêncio e, erguendo-se, presto, correu até o Divino
Amigo e interpelou-o:
- Senhor, Senhor! aonde vais?
O Messias voltou-se e
respondeu, generoso:
- Devo estar ainda hoje em Jerusalém, onde os nossos
companheiros necessitam de meu concurso para o trabalho...
- E eu, Mestre? – perguntou o apóstolo, aflito – acaso não
precisarei de Ti no carinho que Te consagro à memória?
- Tiago – disse Jesus, abençoando-o com o olhar -, o soldado
que se retia deliberadamente do combate não precisa do suprimento
indispensável à extensão da luta... Deixei aos meus discípulos os infortunados
da Terra como herança. O Evangelho é a construção sublime da alegria e do
amor... E enquanto houver no mundo um só coração desfalecente, o descanso
ser-me-á de todo impraticável...
- Mas, Senhor, disseste que devíamos conservar a elevação e
a pureza.
- Sim – tornou o Excelso Amigo -, e não te recrimino por
guardá-las. Devo apenas dizer-te que é fácil ser santo, à distância dos
pecadores.
- Não nos classificaste também como sendo a luz do mundo?
O Visitante Divino sorriu triste e falou:
- Entretanto, onde estará o mérito da luz que foge da
sombra? Nas trevas da crueldade e da calúnia, da mistificação e da ignorância,
do sofrimento e do crime, acenderemos a Glória de Deus, na exaltação do Bem
Eterno.
Tiago desejaria
continuar a sublime conversação, mas a voz extinguiu-se-lhe na garganta, asfixiada
de lágrimas; e como quem tinha pressa de chegar ao destino, Jesus afastou-se, após
afagar-lhe o rosto em pranto.
Na mesma noite,
porém, o apóstolo renovado desceu para Nazaré e, durante longas horas, avançou
devagar para Jerusalém, parando aqui e ali para essa ou aquela tarefa de caridade
e de reconforto. E na ensolarada manhã do sétimo dia da jornada de volta, quando
Simão Pedro veio à sala modesta de socorro aos enfermos encontrou Tiago, filho de
Alfeu, debruçado sobre velha bacia de barro, lavando um feridento e
conversando, bondoso, ao pé dos infelizes.
Pelo Espírito de Irmão
X – do livro Estante da Vida
Psicografado por Chico
Xavier
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