Na assembléia luzida do Templo de Jerusalém,
os descendentes do povo escolhido exibiam generosidade invulgar à frente da
preciosa arca de contribuições públicas. Todos traziam algum tributo de
consideração ao Santo dos Santos, cada qual mostrando a liberalidade da fé.
Vestes de linho e valiosas peles, enfeites dourados
e aromas indefiníveis impunham, ali, deliciosas impressões aos sentidos.Os
fariseus, sobretudo, demonstravam apurado zelo no culto externo, destacando-se
pela beleza das túnicas e pelos ricos presentes ao santuário.
Jesus e alguns discípulos, de passagem, acompanhavam
as manifestações populares, com justificado interesse. E Judas, entre eles, empolgado
pelo volume das oferendas, abeirava-se do cofre aberto, seguindo os menores
movimentos dos doadores, com a cobiça almejante no olhar.
A certa altura, aproximou-se do Messias e
informou-o:
– Mestre: Jeroboão, o negociante de tapetes,
entregou vinte peças de ouro!...
– Abençoado seja Jeroboão – acentuou Jesus, sereno
–, porque conseguiu renunciar
a excesso apreciável, evitando talvez pesados desgostos. O dinheiro
demasiado, quando não se escora
no serviço aos semelhantes, é perigoso tirano da alma.
O discípulo voltou ao posto de observação,
com indisfarçável desapontamento, mas decorridos alguns instantes, reapareceu,
notificando:
– Zacarias, o velho perfumista, sentindo-se
enfermo e no fim dos seus dias, trouxe cem peças!...
– Bem-aventurado seja ele – disse o Cristo,
em tom significativo –, mais vale confiar a fortuna aos movimentos
da fé que
legá-la a parentes
ambiciosos e ingratos...
Zacarias prestou incalculável benefício a ele mesmo.
Judas tornou, de moto próprio, à
fiscalização para comunicar, logo após, ao grupo galileu:
– A viúva de Cam, o mercador de cavalos que faleceu recentemente, acaba
de entregar todo o dinheiro que recebeu dos romanos pela venda
de grande partida de animais.
E, baixando o tom de voz, completava,
cauteloso, o apontamento:
– Dizem por aí que alguns centuriões
planejavam roubar-lhe os bens...
Jesus sorriu e considerou:
– Muitos recursos amontoados sem proveito
provocam as sugestões do mal. Feliz dela que soube preservar-se contra os
malfeitores.
O aprendiz curioso regressou à posição e
retornou, loquaz:
– Mestre: Efraim, o levita de Cesaréia,
entregou duzentas moedas! Duzentas!...
– Bem-aventurado seja Efraim – falou o Amigo
Divino, sem afetação –, é grande virtude saber dar o que sobra,
em meio de tantos avarentos que se
rejubilam à mesa, olvidando
os infelizes que não dispõem de uma côdea de pão!...
Nesse instante, penetrou o Templo uma viúva
paupérrima, a julgar pela simplicidade com que se apresentava.
Diante do sorriso sarcástico
de Judas, o
Senhor acompanhou-a, de
perto, no que
foi seguido pelos demais
companheiros.
A mulher humilde orou e apresentou duas
moedinhas ao fausto religioso do santuário célebre.
Muitos circunstantes riram-se, irônicos, mas
Jesus apressou-se a esclarecer:
– Em verdade, esta pobre viúva deu mais que
todos os poderosos aqui reunidos, porquanto não vacilou em confiar ao Templo
quanto possuía para o sustento próprio.
A observação caridosa e bela congelou a
crítica reinante.
Pouco a pouco, o recinto enorme tornou à
calma.
Israelitas nobres e sem nome abandonaram,
rumorosamente, o domicílio da fé.
Jesus e os apóstolos foram os derradeiros na
retirada.
Quando se dispunham a deixar a enorme sala
vazia, eis que uma escrava, de rosto avelhantado e passos vacilantes, surgiu no
limiar para atender à limpeza. Movimenta-se em minutos rápidos.
Aqui, recolhe flores esmagadas, além,
absorve em panos úmidos os detritos deixados por enfermos descuidados. Tem um
sorriso nos lábios e a paciência no olhar, brunindo o piso em silêncio, para
que o ar se purificasse na sublime residência da Lei.
Pedro, agora a sós com o Messias, ainda impressionado
com as lições recebidas, ousou interrogar:
– Senhor, foi então a viúva pobre a maior
doadora no Templo de nosso Pai?
– Realmente – elucidou Jesus, em tom
fraterno –, a viúva deu muitíssimo, porque, enquanto os grandes senhores aqui
testemunharam a própria vaidade, com inteligência, desfazendo-se de bens que só
lhes constituíam embaraço à tranqüilidade futura, ela entregou ao Todo-Poderoso
aquilo que significava alimento para o próprio corpo...
Em seguida a leve pausa, apontou com o
indicador a serva anônima que se incumbia da limpeza sacrificial e concluiu:
– A maior benfeitora para Deus, aqui, no
entanto, ainda não é a viúva humilde que se desfez do pão de um momento... É
aquela mulher dobrada de trabalho, frágil e macilenta, que está fornecendo à grandeza
do Templo o seu próprio suor.
Irmão X - do Livro Pontos e Contos
psicografado por Chico Xavier
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