(Continuação da leitura do Livro "Boa Nova" de Humberto de Campos psicografada por Chico Xavier)
Depois do ato de humildade extrema, de lavar os pés a
todos os discípulos, Jesus retomou o lugar que ocupava à mesa do banquete
singelo e, antes de se retirarem, elevou os olhos ao céu e orou assim,
fervorosamente, conforme relata o Evangelho de João:
Pai, santo, eis que é chegada a minha hora! Acolhe-me
em teu amor, eleva o teu filho, para que ele possa elevar-te, entre os homens,
no sacrifício supremo. Glorifiquei-te na Terra, testemunhei tua magnanimidade e
sabedoria e consumo agora a obra que me confiaste. Neste instante, pois, meu
Pai, ampara-me com a luz que me deste, muito antes que este mundo existisse!...
E fixando o olhar amoroso sobre a comunidade dos
discípulos, que silenciosos lhe acompanhavam a rogativa, continuou:
Manifestei o teu nome aos amigos que me deste; eram
teu e tu mos confiaste, para que recebessem a tua palavra de sabedoria e de
amor. Todos eles sabem agora que tudo quanto lhes dei provém de ti! Neste
instante supremo, Pai, não rogo pelo mundo, que é obra tua e cuja perfeição se
verificará algum dia, porque está nos teus desígnios insondáveis; mas, peço-te
particularmente por eles, pelos que me confiaste, tendo em vista o esforço a
que os obrigará o Evangelho, que ficará no mundo sobre os seus ombros
generosos. Eu já não sou da Terra; mas rogo-te que os meus discípulos amados
sejam unidos uns aos outros, como eu sou um contigo! Dei-lhes a tua palavra
para o trabalho santo da redenção das criaturas; que, pois, eles compreendam
que, nessa tarefa grandiosa, o maior testemunho é o do nosso próprio sacrifício
pela tua casa, compreendendo que estão neste mundo, sem pertencerem às suas
ilusórias convenções, por pertencerem só a ti, de cujo amor viemos todos para
regressar à tua magnanimidade e sabedoria, quando houvermos edificado o bom
trabalho e vencido na luta proveitosa. Que os meus discípulos, Pai, não façam
da minha presença pessoal o motivo de sua alegria imediata; que me sintam
sinceramente em suas aspirações, a fim de experimentarem o meu júbilo completo
em si mesmos. Junto deles, outros trabalhadores do Evangelho despertarão para a
tua verdade. O futuro está cheios desses operários dignos do salário celeste.
Será de algum modo, a posteridade do Evangelho do Reino que se perpetuará na
Terra, para glorificar a tua revelação! Protege-os a todos, Pai! Que todos
recebam a tua benção, abrindo seus corações às claridades renovadoras! Pai
justo, o mundo ainda não te conheceu; eu, porém, te conheci e lhes fiz conhecer
o teu nome e a tua bondade infinita, para que o amor com que me tens amado
esteja neles e eu neles esteja! ...
***
Terminada a oração, acompanhada em religioso silêncio
por parte dos discípulos, Jesus se retirou em companhia de Simão Pedro e dos
dois filhos de Zebedeu para o Monte das Oliveiras, onde costumava meditar. Os
demais companheiros se dispersaram, impressionados, enquanto Judas,
afastando-se com passos vacilantes, não conseguia aplacar a tempestade de
sentimentos que lhe devastava o coração.
O Crepúsculo Começava a cair sobre o céu claro. Apesar
do sol radioso da tarde a iluminar a paisagem soprava o vento em rajadas muito
frias.
Dai a alguns instantes, O Mestre e os três
companheiros alcançavam o monte, povoado de árvores frondosas, que convidavam
ao pensamento contemplativo.
Acomodando os discípulos em bancos naturais que as
ervas do caminho se incumbiam de adornar, falou-lhes o Mestre, em tom sereno e
resoluto:
– Esta é a minha derradeira hora convosco! Orai e
vigiai comigo, para que eu tenha a glorificação de Deus no supremo testemunho!
Assim dizendo, afastou-se à pequena distância onde
permaneceu em prece, cuja sublimidade os apóstolos não podiam observar. Pedro,
João e Tiago estavam profundamente tocados pelo que viam e ouviam. Nunca o
Mestre lhes parecera tão solene, tão convicto, como naquele instante de penosas
recomendações. Rompendo o silêncio que se fizera, João ponderou:
Oremos e vigiemos, de acordo com a recomendação do
Mestre, pois, se ele aqui nos trouxe, apenas nós três, em sua companhia, isso
deve significar para o nosso espírito a grandeza da sua confiança em nosso
auxílio.
Puseram-se a meditar silenciosamente. Entretanto, sem
que lograssem explicar o motivo, adormeceram no recurso da oração.
Passados alguns minutos, acordavam, ouvindo o Mestre
que lhe observava:
– Despertai! Não vos recomendei que vigiásseis? Não
podereis velar comigo, um minuto?
João e os companheiros esfregaram os olhos,
reconhecendo a própria falta. Então, Jesus, cujo olhar parecia iluminado por
estranho fulgor, lhes contou que fora visitado, por um anjo de Deus que o
confortara para o martírio supremo. Mais uma vez lhes pediu que orassem com o
coração e novamente se afastou. Contudo, os discípulos, insensivelmente,
cedendo aos imperativos do corpo e olvidando as necessidades do espírito, de
novo adormeceram em meio da meditação. Despertaram com o Mestre a lhes repetir:
– Não conseguistes, então, orar comigo?
Os três discípulos acordaram estremunhados. A paisagem
desolada de Jerusalém mergulhava na sombra.
Antes, porém, que pudessem justificar de novo a sua
falta, um grupo de soldados e populares aproximou-se, vindo Judas à frente.
O filho de Iscariote avançou e depôs na fronte do
Mestre o beijo combinado, ao passo que Jesus, sem denotar nenhuma fraqueza e
deixando a lição de sua coragem e de seu afeto aos companheiros, perguntou:
– Amigo, a que vieste?
Sua interrogação, todavia, não recebeu qualquer
resposta. Os mensageiros dos sacerdotes prenderam-no e lhe manietara as mãos,
como se o fizessem a um salteador vulgar.
***
Depois das cenas descritas com fidelidade nos
Evangelhos, observamos as disposições psicológicas dos discípulos, no momento
doloroso. Pedro e João foram os últimos a se separarem do Mestre bem-amado,
depois de tentarem fracos esforços pela sua libertação.
No dia seguinte, os movimentos criminosos da turba
arrefeceram o entusiasmo e o devotamento dos companheiros mais enérgicos e
decididos na fé. As penas impostas a Jesus eram excessivamente severas para que
fossem tentados a segui-lo. Da Corte Provincial ao palácio de Antipas, viu-se o
condenado exposto ao insulto e à zombaria. Com exceção do filho de Zebedeu, que
se conservou ao lado de Maria, até ao instante derradeiro, todos os que
integravam O reduzido colégio do Senhor debandaram. Receosos da perseguição,
alguns se ocultaram nos sítios próximos, enquanto outros, trocando as túnicas
habituais, seguiam, de longe, o inesquecível cortejo, vacilando entre a
dedicação e o temor.
O Messias, no entanto, coroando a sua obra com o
sacrifício máximo, tomou a cruz sem uma queixa, deixando-se imolar, sem
qualquer reprovação aos que o haviam abandonado, na hora ultima. Conhecendo que
cada criatura tem o seu instante de testemunho, no caminho de redenção da
existência, observou às piedosas mulheres que o cercavam banhadas em lágrimas:
– “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, chorai por vós mesmas e por vossos
filhos!...”
Exemplificando a sua fidelidade a Deus, aceitou
serenamente os desígnios do céu, sem que uma expressão menos branda
contradissesse a sua tarefa purificadora.
Apesar da demonstração de heroísmo e de inexcedível
amor, que ofereceu do cimo do madeiro, os discípulos continuaram subjugados
pela dúvida e pelo temor, até que a ressurreição lhes trouxesse incomparáveis
hinos de alegria,
João, todavia, em suas meditações acerca do Messias
entrou a refletir maduramente sobre a oração do Horto das Oliveiras,
perguntando a si próprio a razão daquele sono inesperado, quando desejava
atender ao desejo de Jesus, orando em seu espírito até o fim das provas
ríspidas. Por que dormira ele, que tanto o amava, no momento em que o seu
coração amoroso mais necessitava de assistência e de afeto? Por que não
acompanhara a Jesus naquela prece derradeira, onde sua alma parecia apunhalada
por intraduzível angustia, nas mais dolorosas expectativas? A visão do Cristo
ressuscitado veio encontrá-lo absorto nesses amargurados pensamentos. Em oração
silenciosa, João se dirigia muitas vezes ao Mestre adorado, quase em lágrimas,
implorando-lhe perdoasse o seu descuido da hora extrema.
***
Algum tempo passou, sem que o filho de Zebedeu
conseguisse esquecer a falta de vigilância da véspera do martírio.
Certa noite, após as reflexões costumeiras, sentiu ele
que um sono brando lhe anestesiava os centros vitais. Como numa atmosfera de
sonho, verificou que o Mestre se aproximava. Toda a sua figura se destacava na
sombra, com divino resplendor. Precedendo suas palavras o sereno sorriso dos
tempos idos, disse-lhe Jesus:
– João, a minha soledade no horto é também um
ensinamento do Evangelho e uma exemplificação! Ela significará, para quantos
vierem em nossos passos, que cada espírito na Terra tem de ascender sozinho ao
calvário de sua redenção, muitas vezes com a despreocupação dos entes mais
amados do mundo. Em face dessa lição, o discípulo do futuro compreenderá que a sua
marcha tem que ser solitária, estando seus familiares e companheiros de
confiança a dormir o sono da indiferença!
Doravante, pois, aprendendo a necessidade do valor
individual no testemunho, nunca deixes de orar e vigiar!...
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