Continuação da leitura do Livro "Boa Nova" de Humberto de Campos psicografada por Chico Xavier
Jesus havia chegado a
Jerusalém sob uma chuva de flores.
De tarde, após a
consagração popular, caminhava Tiago e Judas, lado a lado, por uma estrada
antiga, marginada de oliveiras, que conduzia às casinhas alegres de Betânia.
Judas Iscariote deixava
transparecer no semblante íntima inquietação, enquanto no olhar sereno do filho
de Zebedeu fulgurava a luz suave e branda que consola o coração das almas
crentes.
– Tiago – exclamou Judas,
entre ansioso e atormentado – não achas que o Mestre é demasiado simples e bom
para quebrar o jugo tirânico que pesa sobre Israel, abolindo a escravidão que
oprime o povo eleito de Deus?
– Mas – replicou o
interpelado – poderias admitir no Mestre as disposições destruidoras de um
guerreiro do mundo?
– Não tanto assim.
Contudo, tenho a impressão de que o Messias não considera as oportunidades.
Ainda hoje, tive a atenção reclamada por doutores da lei que me fizeram sentir
a inutilidade das pregações evangélicas, sempre levadas a efeito entre as
pessoas mais ignorantes e desclassificadas.
Ora, as reivindicações do
nosso povo exigem um condutor enérgico e altivo.
– Israel – retrucou o
filho de Zebedeu, de olhar sereno – sempre teve orientadores revolucionários; o
Messias, porém, vem efetuar a verdadeira revolução, edificando o seu reino
sobre os corações e nas almas!...
Judas sorriu algo irônico
e acrescentou :
– Mas, poderemos esperar
renovações, sem conseguirmos o interesse e a atenção dos homens poderosos?
– E quem haverá mais
poderoso ao que Deus, de quem o Mestre é o Enviado divino?
Em face dessa invocação
Judas mordeu os lábios, mas prosseguiu:
– Não concordo com os princípios
de inação e creio que o Evangelho somente poderá vencer com o amparo dos
prepostos de César, ou das autoridades administrativas de Jerusalém, que nos
governam o destino. Acompanhando o Mestre nas suas pregações em Cesaréia, em
Sebaste, em Corazin e Betsaida, quando das suas ausências de Cafarnaum, jamais
o vi interessado em conquistar a atenção dos homens mais altamente colocados na
vida. É certo que de seus lábios divinos sempre brotaram a verdade e o amor,
por toda parte; mas só observei leprosos e cegos, pobres e ignorantes,
abeirando-se de nossa fonte.
– Jesus, porém, já nos
esclareceu – obtemperou Tiago, com brandura – que o seu reino não é deste
mundo.
Imprimindo aos olhos
inquietes um fulgor estranho, o discípulo impaciente revidou com energia:
– Vimos hoje o povo de
Jerusalém atapetar o caminho do Senhor com as palmas da sua admiração e do seu
carinho; precisamos, todavia, impor a figura do Messias às autoridades da Corte
Provincial e do Templo, de modo a aproveitarmos esse surto de simpatia. Notei
que Jesus recebia as homenagens populares sem partilhar do entusiasmo febril de
quantos o cercavam, razão por que necessitamos multiplicar esforços, em lugar
dele, afim de que a nossa posição de superioridade seja reconhecida em tempo
oportuno.
– Recordo-me, entretanto,
de que o Mestre nos asseverou, certa vez, que o maior na comunidade será sempre
aquele que se fizer o menor de todos.
– Não podemos levar em
conta esses excessos de teoria. Interpelado que vou ser hoje por amigos
influentes na política de Jerusalém, farei o possível por estabelecer acordos
com os altos funcionários e homens de importância, afim de imprimirmos novo
movimento às ideias do Messias.
– Judas! Judas!... –
observou-lhe o irmão de apostolado, com doce veemência – vê lá o que fazes!
Socorreres-te dos poderes transitórios do mundo, sem um motivo que justifique esse
recurso, não será, desrespeito à autoridade de Jesus? Não terá o Mestre visão
bastante para sondar e reconhecer os corações? O hábito dos sacerdotes e a toga
dos dignitários romanos; são roupagens para a Terra... As ideias do Mestre são
do céu e seria sacrilégio misturarmos a sua pureza com as Organizações viciadas
do mundo!... Além de tudo, não podemos ser mais sábios, nem mais amorosos do
que Jesus e ele sabe o melhor caminho e a melhor oportunidade para a conversão
dos homens!... As conquistas do mundo são cheias de ciladas para o espírito e,
entre elas, é possível que nos transformemos em órgão de escândalo para a
verdade que o Mestre representa.
Judas silenciou,
atormentado.
No firmamento, os
derradeiros raios de Sol batiam nas nuvens distantes, enquanto os dois
discípulos tomavam rumos diferentes.
***
Sem embargo das carinhosas
exortações de Tiago, Judas Iscariote passou a noite tomado de angustiosas
inquietações.
Não seria melhor apressar
o triunfo mundano do Cristianismo? Israel não esperava um Messias que
enfeixasse nas mãos todos os poderes? Valendo-se da doutrina do Mestre, poderia
tomar para si as rédeas do movimento renovador, enquanto Jesus, na sua bondade
e simplicidade, ficaria entre todos, como um símbolo vivo da ideia nova.
Recordando suas primeiras
conversações com as autoridades do Sinédrio, meditava na execução de seus
sombrios desígnios.
A madrugada o encontrou
decidido, na embriagues de seus sonhos ilusórios. Entregaria o Mestre aos
homens do poder, em troca de sua nomeação oficial para dirigir a atividade dos
companheiros. Teria autoridade e privilégios políticos. Satisfaria às suas
ambições, aparentemente justas, afim de organizar a vitória cristã no seio de
seu povo. Depois de atingir o alto cargo com que contava, libertaria a Jesus e
lhe dirigiria os dons espirituais, de modo a utilizá-los para a conversão de
seus amigos e protetores prestigiosos.
O Mestre, a seu ver, era
demasiadamente humilde e generoso para vencer sozinho, por entre a maldade e a
violência.
Ao desabrochar a alvorada,
o discípulo imprevidente demandou o centro da cidade e, após horas, era
recebido pelo Sinédrio, onde lhe foram hipotecadas as mais relevantes
promessas.
Apesar de satisfeito com a
sua mesquinha gratificação e desvairado no seu espírito ambicioso, Judas amava
ao Messias e esperava, ansiosamente, o instante do triunfo, para lhe dar a
alegria da vitória cristã, através das manobras políticas do mundo.
O prêmio da vaidade,
porém, esperava a sua desmedida ambição.
Humilhado e escarnecido,
seu Mestre bem-amado foi conduzido à cruz da ignomínia, sob vilipêndios e
flagelações.
Daqueles lábios, que
haviam ensinado a verdade e o bem, a simplicidade e o amor, não chegou a
escapar-se uma queixa. Martirizado na sua estrada de angústias, o Messias só
teve o máximo de perdão para seus algozes.
Observando os
acontecimentos, que lhe contrariavam as mais íntimas suposições, Judas
Iscariote se dirigiu a Caifas, reclamando o cumprimento de suas promessas. Os
sacerdotes, porém, ouvindo-lhe as palavras tardias, sorriram com sarcasmo.
Debalde recorreu às suas prestigiosas relances de amizade: teve de reconhecer a
falibilidade das promessas humanas. Atormentado e aflito buscou os companheiros
de fé. Encontrou-os vencidos e humilhados; pareceu-lhe, porém, descobrir em
cada olhar a mesma exprobração silenciosa e dolorida.
***
Já se havia escoado a hora
sexta, em que o Mestre expiara na cruz, implorando perdão para seus verdugos.
De longe, Judas contemplou
todas as cenas angustiosas e humilhantes do Calvário. Atroz remorso lhe pungia
a consciência dilacerada. Lágrimas ardentes lhe rolavam dos olhos tristes e
amortecidos. Mau, grado à vaidade que o perdera, ele amava intensamente ao
Messias.
Em breves instantes, o céu
da cidade impiedosa se cobriu de nuvens escuras e borrascosas. O mau discípulo,
com um oceano de dor na consciência, peregrinou em derredor do casario maldito,
acalentando o propósito de desertar do mundo, numa suprema traição aos
compromissos mais sagrados de sua vida.
Antes, porém, de executar
seus planos tenebrosos, junto à figueira sinistra, ouvia a voz amargurada do
seu tremendo remorso.
Relâmpagos terríveis
rasgavam o firmamento; trovões cavernosos pareciam lançar sobre a terra
criminosa a maldição do céu vilipendiado e esquecido.
Mas, sobre todas as vozes
confusas da Natureza, o discípulo infeliz escutava a voz do Mestre, consoladora
e inesquecível, penetrando-lhe os refolhos mais íntimos da alma:
–
“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir ao Pai, senão por
mim...."