Considerando
que a finalidade básica de uma instituição espírita é propiciar aos seus frequentadores
e trabalhadores o aprendizado do Evangelho de Jesus e o exercício do amor,
visando transformá-los em homens de bem e, com isso, contribuir para a reforma
moral da humanidade, objetivo maior do Espiritismo, a pergunta que surge em
relação à questão é: quais devem ser os
fatores orientadores na organização das atividades de uma casa espírita,
visando atender às suas finalidades e aos pressupostos da doutrina que embasam
sua existência?
Acreditamos
que a resposta a essa pergunta seja que, uma casa espírita deve organizar suas
atividade em função das necessidades
dos que nela chegam em busca de ajuda e dos que nela permanecem tentando
consolidar as melhorias conquistadas[1].
Parece
uma resposta obvia e simples. Entretanto, traz uma visão completamente diferente
das organizações do mundo. Geralmente, estas se organizam para atender
necessidades de mercado e tendo por referência a competência e as especialidades
de seus trabalhadores. E assim é porque buscam eficiência produtiva para poder competir
e, por isso, suas atuações não podem se submeter a elementos imprevisíveis. Ao
contrário, devem ser precisas para evitar custos desnecessários. Então,
especializam-se internamente e as situações que lhe demandam atuação devem se
adequar às competências internas. Não é
o caso das casas espíritas. Para estas, cada caso é diferente, porque
envolve pessoas distintas, com experiências e necessidades próprias, e, por
isso, não é possível supor que serão enquadradas milimetricamente nas suas especialidades internas. É claro
que é necessário sistematizar a forma de atender, mas isso deve ser feito a
partir das possíveis necessidades dos
que chegam, as quais, obviamente, são sempre imponderáveis, ainda que
seja possível organizar esse atendimento nos grandes focos de necessidades que
caracterizam a vida humana na Terra. Assim, ainda que a resposta enunciada
anteriormente pareça óbvia, sua operacionalização não tem tido efetivação.
Primeiro é necessário saber quem são os que chegam à casa espírita e nela
permanecem e quais são suas necessidades.
Como
características comuns mais gerais, pode-se dizer que são seres humanos
formados pelo corpo, alma ou Espírito encarnado e o perispírito (Q. 135,
a/L.E). Que são compelidos a progredir incessantemente (Q.778/L.E) e na busca
desse progresso são guiados por Lei Natural que lhes indicam o que devem fazer
ou deixar de fazer para obtenção da felicidade (Q.614/L.E). Afastando-se dessa
lei infelicitam-se e, por isso, estão na vida corporal para se depurarem
espiritualmente e progredirem, propiciando assim o progresso da humanidade
(Q.166-167 / L.E). As causas das aflições do Espírito, tanto as anteriores
quanto as atuais, decorrem da desobediência a essa Lei Natural (Cap. V, item
4-10/E.S.E).
Pode-se
assumir, portanto, como tese geral, que todos os Espíritos que se
encontram encarnados neste mundo são Espíritos necessitados e endividados
perante as leis morais que regem o progresso (ESE, cap. III, item 15). Como
decorrência, pode-se afirmar que os que buscam a casa espírita, procurando ajuda
ou que nela se encontram como trabalhadores ou como estudantes da doutrina, são
doentes em busca de tratamento que lhes minimizem os sofrimentos e lhes
possibilitem felicidade em ritmo de constância.
"Quando o Cristo
disse: "Bem-aventurados os aflitos, o reino dos céus lhes pertence",
não se referia de modo geral aos que sofrem, visto que sofrem todos os que
se encontram na Terra, quer ocupem tronos, quer jazam sobre a palha".
(ESE, Cap. V, item 18, grifo nosso).
"Será a Terra um
lugar de gozo, um paraíso de delícias? Já não ressoa mais aos vossos ouvidos a
voz do profeta? Não proclamou ele haveria prantos e ranger de dentes para os
que nascessem nesse vale de dores? Esperai, pois, todos vós que aí viveis,
causticantes lágrimas e amargo sofrer ..." (ESE, Cap. V, item 19,
grifo nosso).
"... figure-se a
Terra como um subúrbio, um hospital, uma penitenciaria, um sítio malsão, e
ela é simultaneamente tudo isso, e compreender-se-á por que as aflições
sobrelevam os gozos, porquanto não se mandam para o hospital os que se acham
com saúde, nem para as casas de correção os que nenhum mal praticaram; nem os
hospitais e as casas de correção se podem ter por lugares de deleite"
(ESE, Cap. III, item 7, grifos nossos).
"Neste mundo,
por mais que faça, cada um tem a sua parte de labor e de miséria, sua cota
de sofrimentos e decepções, donde facilmente se chega à conclusão de que a
Terra é lugar de provas e expiações. ...
Em tese geral pode
afirmar-se que a felicidade é uma utopia a cuja conquista as gerações se lançam
sucessivamente, sem jamais lograrem alcançá-la. Se o homem ajuizado é uma
raridade neste mundo, o homem absolutamente feliz jamais foi encontrado".
(ESE, Cap. V, item 20, grifo nosso).
"Sou o grande
médico das almas e venho trazer-vos o remédio que vos há de curar. Os
fracos, os sofredores e os enfermos são os meus filhos prediletos. Venho
salvá-los. Vinde, pois, a mim, vos que sofreis e vos achais oprimidos, e sereis
aliviados e consolados. Não busqueis alhures a força e a consolação, pois que o
mundo é impotente para dá-las". (ESE, Cap. VI, item 7, grifo nosso).
Dessa forma, pode-se considerar que, em essência,
os problemas que vitimam os Espíritos encarnados são de origem espiritual, isto
é, residem no próprio Espírito, face aos débitos contraídos perante o próximo,
perante si e perante Deus. Dessas circunstâncias originam-se as patologias que
lhe acicatam e lhe impelem na busca de melhoria. Por isso, problema
espiritual, nesse contexto, é aquele cuja causa explicativa não se encontra
no corpo físico e, sim, no Espírito. Reconhece-se que as tribulações da vida,
impostas pela condição social desfavorável, pelas decepções experimentadas e
pelas provações materiais, causam sofrimentos, mas esses são também decorrentes
das necessidades espirituais do ser (Q. 931, 933, 983 e 984/L. E). Mesmo quando
seus sofrimentos têm contribuições de inimigos desencarnados, a fonte primária
dessa situação é o próprio Espírito, já que as "imperfeições morais do homem é que dão azo à ação dos Espíritos
obsessores" (Cap. XXIII, item 252, Parágrafo 7/L. M).
Se todos os que procuram a casa espírita são Espíritos
necessitados em busca de tratamento, como diferenciar as suas necessidades e
interesses? Isto é, como saber quais são suas necessidades e interesses
específicos, para poder atendê-los com os métodos mais adequados às suas
situações particulares?
1) Tipo de Necessidade:
O primeiro critério para identificar essas situações
particulares é o tipo de necessidade que caracteriza a situação do ser quando
ele chega à casa espírita. Normalmente, chega constrangido por uma inquietude
existencial a qual, intensa ou branda, constitui o sintoma de seu problema
espiritual. Esse sintoma, entretanto, é apenas a visibilização de efeitos
decorrentes de causas que tanto podem ter origem na vida atual quanto em vidas
anteriores. Em qualquer dos casos, essas causas sinalizam para o desinteresse
do ser em viver segundo as leis de Deus, o que representa a causa primitiva do
seu problema espiritual.
Muitas vezes, os sintomas do problema espiritual que o trazem
à casa espírita revestem-se de tal ostensividade que sua lucidez fica
comprometida e experimenta intensos sofrimentos. Assim, um requerimento básico
para os métodos de atendimento da casa espírita é que sejam capazes de auxiliar
a criatura que chega, independente do tipo de necessidade, isto é, que sejam
capazes de aliviar eventuais sintomas ostensivos e ajudar o ser no trato com as
causas reais do seu problema, ou seja, as causas atuais, anteriores e
primitivas.
Características fundamentais dessas necessidades:
- Sintomas
ostensivos são aqueles que se expressam pelos incômodos contundentes
experimentados pelos que os suportam e, por isso, requerem atenção imediata e
de urgência. Embora sejam tidos como as causas que impulsionam a busca por tratamento,
esses motivos são, na verdade, apenas a visibilização de efeitos das
verdadeiras causas. Exemplos dessa situação decorrem da ação violenta de
inimigos desencarnados renitentes, que "manifestam
sua malevolência pelas obsessões e subjugações com que tanta gente se vê a
braços e que representam um gênero de provações" (ESE, Cap. XII, item
6) e que, com certa gravidade, gera tormentos, fere interesses e atinge caras
afeições (ESE, Cap. X, item 6). Esse tipo de sofrimento minimiza a lucidez para
o trato das causas reais e, por isso, métodos para tratá-los devem ter
fundamentos e objetivos que visem aliviar esses tormentos por meio de
intervenções especializadas externas, para amenizar os incômodos vividos.
- Causas atuais
são aquelas que têm sua origem na existência presente, isto é, cujos males que
as originaram "são consequência natural do caráter e do proceder dos que
os suportam" (ESE, Cap. V, item 4). Por isso, só são minimizadas pela
vontade deliberada e firme de mudar,.
- Causas
anteriores são aquelas que têm origem em existência anteriores, isto é,
cujos males que as originaram se "não o fizemos na presente vida,
tê-lo-emos feito noutra" (ESE, Cap. V, item 6). Por isso elas são
desconhecidas, o que é impeditivo para o trato direto com elas. Mas o
"muito amor remove a multidão de pecados" (Pedro 4, 8.), indicando
que essas causas só são diminuídas, como fonte de inquietude, na vida atual, de
forma indireta, pela prática do bem. Portanto, métodos para tratá-las devem ter
fundamentos e objetivos que visem ajudar o Espírito a aprender a amar, por meio
de oportunidades que lhe ensejem a prática do bem e lhe possibilitem o
exercício da solidariedade baseada no amor.
- Causas
primitivas representam a razão fundamental dos sofrimentos do
Espírito, posto que, resistente ao aprendizado das Leis de Deus, mantém-se
refratário aos seus imperativos e, por isso, passível de infringi-las. Na vida
atual se manifestam pela resistência ou desinteresse em relação ao progresso
espiritual ao qual se curvam somente por tédios existenciais, por desassossego
da consciência ou por remorsos em razão de atitudes equivocadas. Por não serem
contundentes, no sentido de não constrangerem o ser com acicates
fisio-psíquicos ostensivos, não demandam providências urgentes para solucioná-las
e, por isso, o ser só lhes dá atenção se estiver realmente interessado em
reflexões mais sérias sobre a vida, o que lhe induzirá à busca das verdades, da
compreensão das Leis de Deus, que ampliem as bases de seu progresso e ao mesmo
tempo acelere-o. São, portanto, inquietudes originárias das "provas
buscadas pelo Espírito para concluir a sua depuração e ativar o seu
progresso" (ESE, Cap. V, item 9). Métodos para tratar as causas primitivas
devem ter fundamentos e objetivos que levem o Espírito a aprender como evitar
reincidências, por meio da conscientização sobre as leis morais e a necessidade
de progresso. Isto só pode ser feito pelo estudo do Evangelho de Jesus e da
Doutrina Espírita, por serem as fontes que melhor propiciam o conhecimento das
leis morais que regem o destino das criaturas.
Esta texto é parte
integrante de um conjunto de instrumentos que operacionalizam uma proposta
sistematizada e fundamentada de TRATAMENTO ESPIRITUAL na Casa Espírita. Além de
um volume intitulado ROTEIROS SISTEMATIZADOS PARA ESTUDO EM GRUPO DO EVANGELHO
SEGUNDO O ESPIRITISMO e da Apostila de Implantação, a proposta inclui as
diretrizes de funcionamento para: Recepção e Encaminhamento, Orientação
Inicial, Entrevista, Estudo em Grupo do Evangelho, Passe, Atendimento
Mediúnico, Reentrevista, Tratamento à Distância, Enfermaria de Emergência,
Atendimento Direcionado a Casos Graves etc.
A responsabilidade por sua
criação é da FUNDAÇÃO ALLAN KARDEC,
estabelecida em Manaus – Amazonas
Seu uso pelo Movimento Espírita pode ser feito livremente, sem a necessidade de haver consulta prévia, inclusive para realizar as adaptações que se façam necessárias.
Seu uso pelo Movimento Espírita pode ser feito livremente, sem a necessidade de haver consulta prévia, inclusive para realizar as adaptações que se façam necessárias.
[1] Adicione-se
a belíssima definição do opúsculo Orientação ao Centro Espírita que o trata
como “núcleo de estudo, de fraternidade, de oração e de trabalho, com base no
Evangelho de Jesus, à luz da Doutrina Espírita”... “casa de grande família,
onde as crianças, os jovens, os adultos e os mais idosos tenham oportunidade de
conviver, estudar e trabalhar”, propiciando orientação e amparo a todos que a
buscam.
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