(Continuação do Livro "Boa Nova"
de Humberto de Campos
psicografada por Chico Xavier)
Descendo Jesus de Jerusalém para Cafarnaum, seguido de
alguns discípulos, nas suas habituais jornadas a pé, alcançou a Samaria, quando
o crepúsculo já se fazia mais sombrio.
Felipe, André e Tiago, estando com fome, deixaram o
Mestre a repousar junto de uma pequena herdade e demandaram o lugarejo mais
próximo, em busca de alimento.
O Messias, olhando em torno de si, reconheceu que se
encontrava ao lado da Fonte de Jacob. Envolvida nos revérberos do Sol que ia
ceder lugar às sombras da noite que se aproximava, uma mulher acercou-se do
antigo poço e observou que o Mestre lhe ia ao encontro com a bela e costumeira
placidez do semblante, e lhe pedia de beber.
- Como sendo tu um judeu, me pedes um favor a mim, que
sou samaritana?
Jesus descansou na interlocutora o olhar tranqüilo e
redargüiu:
- Os judeus e samaritanos terão por ventura,
necessidades diversas entre si? Bem se vê que não conheces os dons de Deus,
porquanto se houvesse guardado os mandamentos divinos, compreenderias que te
posso dar água viva.
- Que vem a ser essa água viva? – inquiriu a
samaritana impressionada. Onde a tens, se a água aqui existente é apenas a
deste poço? Acaso serias maior que nosso pai Jacob que no-la deu desde o
princípio?
- Mulher, a água viva é aquela que sacia toda sede:
vem do amor infinito de Deus e santifica as criaturas.
E envolvendo a samaritana no doce magnetismo de seu
olhar, continuou:
Este poço de Jacob secará um dia. No leito da terra em
que agora repousam suas águas claras, a serpente poderá fazer seu ninho. Não
sentes a verdade de minhas afirmativas, ante a tua sede de todos os dias? Não
obstante levares cheio o cântaro, voltarás logo ao poço, com uma nova sede.
Entretanto, os que beberem da água viva estarão eternamente saciados. Para
esses não mais haverá a necessidade material que se renova a cada instante da
vida. Perene conforto lhes refrescará os corações através dos caminhos mais
acidentados, sob o sol ardente dos desertos do mundo...
A mulher escutava presa de funda impressão, aquelas
palavras que lhe chegavam ao santuário do espírito com a solenidade de uma
revelação.
- Senhor, dá-me dessa água! - exclamou interessada.
- Mas ouve! - disse-lhe Jesus. E o Mestre passou a
esclarecê-la sobre fatos e circunstâncias íntimas de sua vida particular,
explicando-lhe o que se fazia necessário para que a sagrada emoção do amor
divino lhe iluminasse a alma, afastando-a de todas as circunstâncias penosas da
existência material.
Observando que não havia segredos para Jesus, a
samaritana chorou e respondeu:
- Senhor, vejo que és de fato um profeta de Deus. Meu
espírito está cheio de boa vontade e desde muito, penso na melhor maneira de
purificar a minha vida e santificar os meus atos. Entretanto, é tal a confusão
que observo em torno de mim, que não sei como adorar a Deus. Os meus familiares
e vizinhos afirmam que é indispensável celebrar o culto ao todo Poderoso neste
monte. Os judeus nos combatem e asseveram que nenhuma cerimônia terá valor fora
dos muros de Jerusalém. As discórdias nesta Região têm chegado ao cúmulo. Já
que tenho a felicidade de ouvir as tuas palavras, ensina-me o melhor caminho.
O Mestre observou-a compadecido e exclamou:
- Tens razão. As divergências têm implantado a maior
desunião entre os membros da grande família humana. Entretanto, o pastor vem ao
redil para reunir as ovelhas que os lobos dispersaram. Em verdade, afirmo-te
que virá um tempo em que não se adorará a Deus nem neste monte, nem no templo
suntuoso de Jerusalém. Porque o Pai é Espírito e só em espírito deve ser
adorado. Por isso venho abrir o templo dos corações sinceros para que todo
culto a Deus se converta em íntima comunhão entre o homem e seu criador.
Suave silêncio se fez entre ambos. Enquanto Jesus
parecia sondar o invisível com o seu luminoso olhar, a samaritana meditava.
***
Daí a alguns instantes, acompanhados de grande número
de populares, chegavam os discípulos, admirando-se todos de encontrarem o
Messias em conversação íntima com uma mulher. Nenhum deles, todavia, aventurou
qualquer observação menos digna ou imprudente. Observando que o Messias se
preparava para retirar-se em busca da aldeia mais próxima, a samaritana
impressionada com as suas revelações, solicitou a presença de seus familiares e
vizinhos, a fim de lhe ouvirem a palavra.
Tiago e André haviam trazido pão e frutas, insistindo
com Jesus para que se alimentasse. O Mestre, porém, aproveitou o instante pra
mais uma vez ensinar o caminho do Reino, com as palavras amigas, compondo
parábolas singelas. Muita gente se aglomerava para ouvi-lo. Eram viajantes que
demandavam regiões diferentes, a par de grande grupo de samaritanos de opiniões
exaltadas. A enorme assembléia se pôs a caminho, mas o Messias continuou
espalhando as suas promessas de esperança e consolação.
Nesse ínterim, Felipe consultou os companheiros e,
aproximando-se de Jesus, rogou-lhe carinhosamente:
- Mestre, por favor, aceitai um pouco de pão.
- Não de preocupes, Felipe – disse o Messias. – Não
tenho fome. Aliás, recebo um alimento que talvez meus próprios discípulos ainda
não puderam conhecer.
- Qual? – atalhou o apóstolo com interesse.
- Antes de tudo, meu alimento é fazer a vontade
daquele Pai misericordioso e justo que a este mundo me enviou, a fim de ensinar
o seu amor e a sua verdade. Meu sustento é realizar sua obra.
- É verdade – observou o discípulo, olhando a multidão
que os acompanhava. Levaremos para Cafarnaum mais este triunfo, porque é
incontestável que obtiveste aqui entre os samaritanos um dos nossos maiores
êxitos.
Tiago e André ouviam silenciosos o diálogo.
Às palavras entusiásticas do apóstolo, o Mestre sorriu
e acrescentou:
- Não é isso propriamente o que me interessa. O êxito
mundano pode ser uma ondulação de superfície. O que necessitamos em todas as
situações é atender o que o Pai deseja de nós. Como todo o seu apelo é o do
bem, eu trabalho, mas sem me prender ao anseio das vitórias imediatas.
E dirigindo o olhar para a turba compacta de seus
seguidores, exclamou para os companheiros:
Acaso já poderíamos admitir que somos compreendidos?
Calemo-nos por alguns instantes a fim de ouvirmos a opinião dos que nos seguem
os passos.
Fez-se silêncio entre ele e os três discípulos, de
modo que podiam ouvir distintamente os diálogos travados entre os que os
acompanhavam.
_ Acreditas que seja este homem o Cristo prometido? –
perguntava um samaritano de boa figura a seus amigos – De minha parte, não
aceito semelhante impostura. Este nazareno é um explorador da piedade popular
- É certo – concordava o interpelado –mesmo porque em
sua terra, não chega a valer um denário. Pelos parentes é tido como inimigo do
trabalho e há quem duvide da sua preguiçosa cabeça.
- É um louco de boa aparência – exclamava uma mulher
idosa para a filha – pelo menos esta é a opinião que já ouvi de habitantes de
Cafarnaum; entretanto, para mim, acredito que seja um grande velhaco. Porque se
meteu com pescadores quando alega ser tão sábio? Por que não se transfere para
Jerusalém ou Tiberíades? Bem sabe a razão disso. Lá encontraria homens cultos,
que lhe confundiriam a presunção.
Mais próximo de Jesus, um rapaz sentenciava em voz
discreta:
- Quando chegamos, foi ele achado sozinho com uma
mulher. Que te parece esta circunstância?
- Perguntava a um companheiro de caminhada.
- Certamente desejava salva-la a seu modo. – Replicou
com malicioso riso o inquirido.
Num grupo vizinho, falava-se acaloradamente:
- Este homem é um espertalhão orgulhoso – dizia
convicto um velhote – só faz milagres junto das grandes multidões, para que
sintam virtudes sobrenaturais nas suas mágicas.
E não tem caridade – acrescentou outro – pois ainda há
pouco tempo, quando o procuraram em Cafarnaum para um sinal do Céu, fugiu para
o monte, sob o protesto de fazer orações.
A noite começava a cair de todo. No alto brilhavam as
primeiras estrelas. Jesus sentou-se com os discípulos, à margem do caminho,
para um momento de repouso.
***
André, Tiago e Felipe estavam espantados com o que
tinham visto e ouvido. Aparentemente o Mestre aureolado de imenso êxito;
entretanto, verificaram a profunda incompreensão do povo. Foi então que Jesus,
com a serenidade de todos os instantes os esclareceu cheio de sua bondade
imperturbável:
- Não vos admireis da lição deste dia. Quando veio o
Batista, procurou o deserto, nutrindo-se de mel selvagem. Os homens alegaram
que em sua companhia estava o espírito de Satanás. A mim, pelo motivo de
participar das alegrias do Evangelho, chama-me glutão e beberrão. Esta é a
imagem do campo onde temos que operar. Por toda parte encontraremos samaritanos
discutidores, atentos aos êxitos e referências do mundo. Observai a estrada
para não cairdes, porque o discípulo do Evangelho não se pode preocupar senão
com a vontade de Deus, com o seu trabalho sob as vistas do Pai e com a
aprovação de sua consciência.
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