Continuação da leitura do Livro "Boa Nova" de Humberto de Campos psicografada po Chico Xavier
Aproximando-se o termo de sua passagem pelos caminhos
da Terra, reuniu Jesus os doze discípulos, com o fim de lhes consolidar nos
corações os santificados princípios de sua doutrina de redenção.
Naquele crepúsculo de ouro, por feliz coincidência,
todos se achavam em Cesaréia do Felipe, onde a paisagem maravilhosa descansava
sob as bênçãos do céu.
Jesus fitou serenamente os companheiros e, ao cabo de
longa conversação, em que lhes falara confidencialmente dos serviços grandiosos
do futuro, perguntou com afetuoso interesse:
– E que dizem os homens a meu respeito? De alguma
sorte, terão compreendido a substância de minhas pregações?!...
João respondeu que seus amigos o tinham na conta de
Elias, que regressara ao cenário do mundo depois de se haver elevado ao céu num
carro flamejante; Simão, o Zelota, relatou os dizeres de alguns habitantes de
Tiberíades, que acreditavam ser o Mestre o mesmo João Batista ressuscitado;
Tiago, filho de Cléofas, contou o que ouvira dos judeus na Sinagoga, os quais
presumiam no Senhor o profeta Jeremias.
Jesus escutou-lhes as
observações com o habitual carinho e inquiriu:
– Os homens se dividem nas suas opiniões; mas, vós, os
que tendes comungado comigo a todos os instantes, quem dizeis que eu sou?
Certa perplexidade abalou a pequena assembleia; Simão
Pedro, porém, deixando perceber que estava impulsionado por uma energia
superior, exclamou, comovidamente;
Tu és o Cristo, o Salvador, o Filho de Deus Vivo.
– Bem-aventurado sejas tu, Simão – disse-lhe Jesus,
envolvendo-o num amoroso sorriso – porque não foi a carne que te revelou estas
verdades, mas meu Pai que está nos céus. Neste momento, entregaste a Deus o
coração e falaste a sua voz. Bendito sejas, pois começam a edificar no espírito
a fonte da fé viva. Sobre essa fé, edificarei a minha doutrina de paz e
esperança, porque contra ela jamais prevalecerão os enganos desastrosos do
mundo.
Enquanto Simão sorria confortado com o que considerava
um triunfo espiritual, o Mestre prosseguiu, esclarecendo a comunidade quanto a,
revelação divina, no santuário interior do espírito do homem, sobre cuja
grandeza desconhecida o Cristianismo assentaria suas bases no futuro.
***
No mesmo instante, preparando os companheiros para os
acontecimentos próximos, o Messias continuou, dizendo:
– Amados, importa que eu vos esclareça o coração, afim
de que as horas tormentosas que se aproximam não cheguem a vos confundir o
entendimento. Através da palavra de Simão, tivestes a claridade reveladora.
Cumprindo as profecias da Escritura, sou aquele Pastor que vem a Israel com o
propósito de reunir as ovelhas tresmalhadas do imenso rebanho. Venho buscar as
dracmas perdidas do tesouro de Nosso Pai. E qual o pegureiro que não dá
testemunho de sua tarefa ao dono do redil?
É indispensável, pois, que eu sofra. Não tardará muito
o escândalo que me há de envolver em suas malhas. Faz-se mister o cumprimento
da palavra dos grandes instrutores da revelação dos céus, que me precederam no
caminho!... Está escrito que eu padeça, e não fugirei ao testemunho.
Havendo pequena pausa na sua alocução, Felipe
aproveitou-a para interrogar, emocionado:
Mestre, como pode ser isso, se sois o modelo supremo
da bondade? O sofrimento será, então, o prêmio as vossas obras de amor e
sacrifício?
Jesus, no entanto, sem trair a serenidade do seu
sentimento, retrucou :
– Vim ao mundo para o bom trabalho e não posso ter
outra vontade, senão a que corresponda aos sábios desígnios d’Aquele que me
enviou. Além de tudo, minha ação se dirige aos que estão escravizados, no
cativeiro do sofrimento, do pecado, da expiação. Instituindo, na Terra, a luta
perene contra o mal, tenho de dar o legítimo testemunho dos meus esforços. Na
consideração de meus trabalhos, necessitamos ponderar que as palavras dos
ensinos somente são justas, quando seladas com a plena demonstração dos valores
íntimos. Acreditais que um náufrago pudesse sentir o conforto de um companheiro
que apenas se limitasse a dirigir-lhe a voz amiga, lá da praia, em segurança?
Para salvá-la, será indispensável ensinar-lhe o melhor caminho de livrar-se da
voragem destruidora, nunca tão só com exortações, mas, atirando-se igualmente,
às ondas, partilhando dos mesmos perigos e sofrimentos. O fardo que
sobrecarrega os ombros de um amigo será sempre mais agravado em seu peso, se
nos pomos a examiná-la, muitas vezes guiados por observações inoportunas ; ele,
entretanto, se tornará suave e leve para aquele a quem amamos, se o tomarmos
com os nossos esforços sinceros, ensinando-lhe como se pode atenuar-lhe o peso,
nas curvas do caminho.
Os apóstolos entreolharam-se surpresos e o Messias
continuou:
– Não espereis por triunfos, que não os teremos sobre
a Terra de agora. Nosso reino ainda não é, nem pode ser, deste mundo... Por
essa razão, em breves dias, não obstante as minhas aparentes vitórias, entrarei
em Jerusalém para sofrer as mais penosas humilhações. Os príncipes dos
Sacerdotes me coroarão a fronte com suprema ironia, serei arrastado pela turba
como um simples ladrão! Cuspirão nas minhas faces, dar-me-ão fel e vinagre,
quando manifestar sede, para que se cumpram as Escrituras; experimentarei as
angústias mais dolorosas, mas sentirei, em todas as circunstâncias, o amparo
d’Aquele que me enviou!... Nos derradeiros e mais difíceis testemunhos, terei
meu espírito voltado para o meu amor e conquistarei com o sofrimento a vitória
sagrada, porque ensinarei aos menos fortes a passagem pela porta estreita da
redenção, revelando a cada criatura que sofre o que é preciso fazer, afim de
atravessar as sendas do mundo, demandando as cidade eternas do plano
espiritual.
O Mestre calou-se comovido. A pequena assembleia
deixava transparecer sua surpresa indefinível, sem compreender a amplitude das
advertências divinas.
Foi aí que Simão Pedro, modificando a atitude mental
do primeiro momento e deixando-se conduzir na esteira das concepções falíveis
do seu sentimento de homem, aproximou-se do Messias e lhe falou em particular:
– Mestre, convém não exagerardes as vossas palavras.
Não podemos acreditar que tereis de sofrer semelhantes martírios... Onde
estaria Deus, então, com a justiça dos céus? Os fato que nos deixais entrever
viriam demonstrar que o Pai não é tão justo!...
– Pedro, retira estas palavras! – exclamou Jesus, com
serenidade enérgica – Queres também tentar-me, como os adversários do
Evangelho? Será que também tu não me entendes, compreendendo somente as coisas
dos homens, longe das revelações de Deus?! Aparta-te de mim, pois, neste instante,
falas pelo espírito do mal!...
Verificando que o pescador se emocionara até às
lágrimas, o Mestre preparou-se para se retirar, e disse aos companheiros :
Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si mesmo,
tome a sua cruz e siga os meus passos.
***
No dia seguinte, a pequena comunidade se punha a
caminho, vivamente impressionada com as revelações da véspera. Simão seguia
humilde e cabisbaixo. Não conseguia compreender porque motivo fora Jesus tão
severo para com ele. Em verdade, ponderara melhor suas expressões irrefletidas
e reconhecera que o Mestre lhe perdoara, pois observava que eram sinceros o
sorriso e o olhar passivo que o envolviam numa alegria nova. Mais sem poder
sopitar suas emoções, o velho discípulo aproximou-se novamente de Jesus e
interrogou :
– Mestre, por que razão me mandastes retirar as
palavras em que vos demonstrei o meu zelo de discípulo sincero? Alguma minutos
antes, não havíeis afirmado que eu trazia aos companheiros a inspiração de
Deus? Por que motivo, logo após, me designáveis como intérprete dos inimigos da
luz?
– Simão – respondeu o Messias, bondosamente – ainda não
apreciastes toda a extensão da
necessidade de vigilância. A criatura na Terra precisa aproveitar todas as
oportunidades de iluminação interior, em sua marcha para Deus. Vigia o teu
espírito ao longo do caminho. Basta um pensamento de amor para que te eleveis
ao céu; mas, na jornada do mundo, também basta, às vezes, uma palavra fútil ou
uma consideração menos digna, para que a alma do homem seja conduzida ao campo
do estacionamento e do desespero das trevas, por sua própria imprevidência!
Nesse terreno, Pedro, o discípulo do Evangelho terá sempre imenso trabalho a
realizar, porque, pelo Reino de Deus, é preciso resistir às tentações dos entes
mais amados na Terra, os quais, embora ocupando o nosso coração, ainda não
podem entender as conquistas santificadas do céu.
Acabando o Cristo de falar, Simâo Pedro calou-se e passou a meditar.
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