Sentado como um peregrino, nas adjacências do Templo, Jesus foi notado por um grupo de sacerdotes e pensadores oCiOSOS, que se sentiram atraidos pelos seus traços de formosa originalidade e pelo seu olhar lúcido e profundo. Alguns deles se afastaram, sem maior interesse, mas Hanã, que seria, mais tarde, o juiz inclemente de sua causa, aproximou-se do desconhecido e dirigiu-se-lhe com orgulho:
Galileu, que fazes na cidade?
Passo por Jerusalém, buscando a fundação do Reino de Deus! exclamou o Cristo, com modesta nobreza.
Reino de Deus? tornou o sacerdote com acentuada ironia. E que pensas tu venha a ser isso?
Esse Reino é a obra divina no coração dos homens! esclareceu Jesus, com grande serenidade.
Obra divina em tuas mãos? revidou Hanã, com uma gargalhada de desprezo.
E, continuando as suas observações irônicas, perguntou:
Com que contas para levar avante essa difícil empresa? Quais são os teus seguidores e companheiros?... Acaso terás Conquistado o apoio de algum príncipe desconhecido e ilustre, para auxiliar-te na execução de teus planos?
Meus companheiros hão de chegar de todos os lugares respondeu o Mestre com humildade.
Sim observou Hanã —, os ignorantes e os tolos estão em toda parte na Terra. Certamente que esse representará o material de tua edificação. Entretanto, propões-te realizar uma obra divina e já viste alguma estátua perfeita modelada em fragmentos de lama?
– Sacerdote, replicou-lhe Jesus, com energia, nenhum mármore existe mais puro e mais formoso do que o do sentimento, e nenhum cinzel é superior ao da boa-vontade.
– Impressionado com a resposta firme e inteligente, o famoso juiz ainda interrogou:
– Conheces Roma ou Atenas?
– Conheço o amor e a verdade disse Jesus convictamente.
– Tens ciência dos códigos da Corte Provincial e das leis do Templo? inquiriu Hanã, inquieto.
– Sei qual é a vontade de meu Pai que está nos céus, respondeu o Mestre, brandamente.
O sacerdote o contemplou irritado e, dirigindo-lhe um sorriso de profundo desprezo, demandou a Torre Antônia, em atitude de orgulhosa superioridade.
No dia seguinte, pela manhã, o mesmo formoso peregrino foi ainda visto a contemplar as maravilhas do santuário, antes alguns minutos de internar-se pelas estradas banhadas de sol, a caminho de sua Galiléia distante.
Daí a algum tempo, depois de haver passado por Nazaré, descansando igualmente em Caná, Jesus se encontrava nas circunvizinhanças da cidadezinha de Cafarnaum, como se procurasse, com viva atenção, algum amigo que estivesse à sua espera.
Em breves instantes, ganhou as margens do Tiberíades e se dirigiu, resolutamente, a um grupo alegre de pescadores, como se, de antemão, os conhecesse a todos.
A manhã era bela, no seu manto diáfano de radiosas neblinas. As águas transparentes vinham beijar os eloendros da praia, como se brincassem ao sopro das virações perfumadas da Natureza. Os pescadores entoavam uma cantiga rude e, dispondo inteligentemente as barcaças móveis, deitavam as redes, em meio de profunda alegria.
Jesus aproximou-se do grupo e, assim que dois deles desembarcaram em terra, falou-lhes com amizade:
Simão e André, filhos de Jonas, venho da parte de Deus e vos convido a trabalhar pela instituição de seu reino na Terra!
André lembrou-se de já o ter visto, nas cercanias de Betsaida, e do que lhe haviam dito a seu respeito, enquanto que Simão, embora agradavelmente surpreendido, o contemplava, enleado. Mas, quase a um só tempo, dando expansão aos seus temperamentos acolhedores e sinceros, exclamaram respeitosamente:
– Sede bem-vindo!...
Jesus então lhes falou docemente do Evangelho, com o olhar incendido de júbilos divinos.
Estando muitos outros companheiros do lago a observar de longe os três, André, manifestando a sua tocante ingenuidade, exclamou comovido:
Um rei? Mas em Cafarnaum existem tão poucas casas!..
Ao que Pedro obtemperou, como se a boa-vontade devesse suprir todas as deficiências:
O lago é muito grande e há várias aldeias circundando estas águas, O reino poderá abrangê-las todas!
Isso dizendo, fixou em Jesus o olhar perquiridor, como se fora uma grande criança meiga e sincera, desejosa de demonstrar compreensão e bondade, O Senhor esboçou um sorriso sereno e, como se adiasse com prazer as suas explicações para mais tarde, inquiriu generosamente:
Quereis ser meus discípulos?
André e Simão se interrogaram a si mesmos, permutando sentimentos de admiração embevecida. Refletia Pedro: que homem seria aquele? onde já lhe escutara o timbre carinhoso da voz íntima e familiar? Ambos os pescadores se esforçavam por dilatar o domínio de suas lembranças, de modo a encontrá-lo nas recordações mais queridas, Não sabiam, porém, como explicar aquela fonte de confiança e de amor que lhes brotava no âmago do espírito e, sem hesitarem, sem uma sombra de dúvida, responderam simultaneamente:
Senhor, seguiremos os teus passos.
Jesus os abraçou com imensa ternura e, como os demais companheiros se mostrassem admirados e trocassem entre si ditérios ridicularizadores, o Mestre, acompanhado de ambos e de grande grupo de curiosos, se encaminhou para o centro de Cafarnaum, onde se erguia a Intendência de Ântipas. Entrou calmamente na coletoria e, avistando um funcionário culto, conhecido publicano da cidade, perguntou-lhe:
– Que fazes tu, Levi?
O interpelado fixou-o com surpresa; mas, seduzido pelo suave magnetismo de seu olhar, respondeu sem demora:
– Recolho os impostos do povo, devidos a Herodes.
– Queres vir comigo para recolher os bens do céu?, perguntou-lhe Jesus, com firmeza e doçura.
– Levi, que seria mais tarde o apóstolo Mateus, sem que pudesse definir as santas emoções que lhe dominaram a alma, atendeu, comovido:
– Senhor, estou pronto!..
– Então, vamos disse Jesus, abraçando-o.
Em seguida, o numeroso grupo se dirigiu para a casa de Simão Pedro, que oferecera ao Messias acolhida sincera em sua residência humilde, onde o Cristo fez a primeira exposição de sua consoladora doutrina, esclarecendo que a adesão desejada era a do coração sincero e puro, para sempre, às claridades do seu reino. Iniciou-se naquele instante a eterna união dos inseparáveis companheiros.
Na tarde desse mesmo dia, o Mestre fez a primeira pregação da Boa Nova na praça ampla, cercada de verdura e situada naturalmente junto às águas.
No céu, vibravam harmonias vespertinas, como se a tarde possuísse também uma alma sensível. As árvores vizinhas acenavam os ramos verdes ao vento do crepúsculo, como mãos da Natureza que convidassem os homens à celebração daquele primeiro ágape. As aves ariscas pousavam de leve nas alcaparreiras mais próximas, como se também desejassem senti-lo, e na praia extensa se acotovelava a grande multidão de pescadores rústicos, de mulheres aflitas por continuadas flagelações, de crianças sujas e abandonadas, misturados publicanos pecadores com homens analfabetos e simples, que haviam acorrido, ansiosos por ouvi-lo.
Jesus contemplou a multidão e enviou-lhe um sorriso de satisfação. Contrariamente às ironias de Hanã, ele aproveitaria o sentimento como mármore precioso e a boa-vontade como cinzel divino. Os ignorantes do mundo, os fracos, os sofredores, os desalentados, os doentes e os pecadores seriam em suas mãos o material de base para a sua construção eterna e sublime. Converteria toda miséria e toda dor num cântico de alegria e, tomado pelas inspirações sagradas de Deus, começou a falar da maravilhosa beleza do seu reino. Magnetizado pelo seu amor, o povo o escutava num grande transporte de ventura. No céu havia uma vibração de claridade desconhecida.
Ao longe, no firmamento de Cafarnaum, o horizonte se tornara um deslumbramento de luz e, bem no alto, na cúpula dourada e silenciosa, as nuvens delicadas e alvas tomavam a forma suave das flores e dos arcanjos do Paraíso.
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